Por Barbara Pinheiro
A primeira vez que ouvi falar sobre esse “documento” foi numa palestra da Beatrice Padovani, conselheira da Liga e professora do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco, onde fiz o meu doutorado. Ela estava contando que fez parte do grupo de especialistas que participaram do processo regular para a criação da primeira avaliação marinha globalmente integrada, ou a primeira Avaliação Mundial do Oceano (do inglês World Ocean Assessment- WOA) que foi publicada em 2016. Fazendo um paralelo com outro processo semelhante, porém, bem mais conhecido hoje em dia, o primeiro relatório de avaliação do Painel Intergovernamental sobre as mudanças climáticas (IPCC) foi publicado em 1990, e o Painel já está completando 34 anos (foi criado em 1988)! O oceano, como sempre, demorando mais para ser valorizado, né? Mas seguimos juntas na luta colocando uma “lente azul na miopia climática” (P.s. Para saber mais sobre nossa linda campanha, é só clicar aqui).
Mas quem não conhece ainda pode estar se perguntando como é feita essa avaliação, e para que serve esse documento, né? Então… a Avaliação Mundial do Oceano é o principal produto do Processo Regular das Nações Unidas para Relatórios e Avaliação Global do Estado do Meio Ambiente Marinho, incluindo Aspectos Socioeconômicos, que dura aproximadamente quatro anos. É um grande compilado feito por especialistas de diversos países, visando informar os tomadores de decisão e a sociedade em geral do estado da arte sobre a ciência oceânica, incluindo as maneiras pelas quais nós humanos nos beneficiamos e impactamos nosso oceano. Na Primeira avaliação, dez temas importantes já se destacaram:
mudanças climáticas;
superexploração dos recursos marinhos vivos;
importância da segurança alimentar;
padrões de biodiversidade e suas mudanças;
pressões de usos recentes do espaço oceânico;
ameaças do aumento da poluição;
efeitos da impactos cumulativos;
as desigualdades na distribuição dos benefícios do oceano;
importância de uma gestão coerente dos impactos humanos no oceano; e
problemas de atraso na implementação de soluções conhecidas.
É um documento bem extenso, (mais de 1700 páginas juntando todos os volumes), e com uma linguagem difícil para grande maioria da sociedade, além de não ter uma versão disponível em português, mas considerado um grande marco para a luta da conservação do oceano (disponível aqui).
Outra pesquisadora brasileira também se destacou durante o segundo processo regular da Avaliação Mundial do Oceano, a Dra. Fernanda Lana, atualmente pós-doutoranda em biologia marinha e ambientes costeiros da Universidade Federal Fluminense (UFF), representando o grupo de especialistas do Brasil. Assim como no primeiro, o WOA II foi um esforço coletivo de equipes de redação interdisciplinar compostas por mais de 300 especialistas, provenientes de um grupo de mais de 780 especialistas de todo o mundo. O documento, publicado em 2020, traz informações científicas sobre o estado do meio ambiente marinho de forma abrangente e integrada para apoiar decisões e ações para o alcance dos ODS, em particular o ODS 14 – vida na água. E se destaca como marco importante para a implementação da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para Sustentabilidade Desenvolvimento, a Década do Oceano (2021-2030).
Conheci a Fernanda, esse ano em Buenos Aires, Argentina, quando fomos selecionadas para participar do terceiro workshop regional (da série de workshops organizadas pelas Nações Unidas) para dar suporte ao processo regular da terceira Avaliação Mundial dos Oceanos. Foi uma experiência incrível! Além de mim e da Fernanda, o Prof. Alexander Turra (USP) e o Dr. Roberto de Pinho (MCTI) estavam representando o Brasil. Foram três dias de muita discussão para propor mudanças no escopo da terceira avaliação. E vou compartilhar com vocês alguns pontos que me chamaram atenção ao ter tido a oportunidade de participar desse processo.
O primeiro, claro, nem preciso dizer muito, sei que vocês podem imaginar como essa pesquisadora, negra, nordestina (e na época até sem bolsa de pesquisa) comemorou com muita alegria ao receber o e-mail informando que eu tinha sido selecionada para participar, né! Mas ao chegar em Buenos Aires, as surpresas foram muito positivas e de cara já posso destacar duas:
Dos vinte participantes, de diversos setores de governo, academia e organizações não governamentais, representantes da Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Haiti, e México, 12 eram mulheres;
As apresentações iniciais sobre o processo regular, e sobre os documentos das avaliações mundiais 1 e 2 foram bem objetivas, destacando os pontos-chave e principais contribuições de cada ciclo, além de já discutir as lições aprendidas até o momento.
O principal objetivo da nossa participação era propor inovações para o documento, em três pontos principais: foco, estrutura e tópicos. Ao final das discussões, divididas por grupos menores, e apresentadas e aprovadas numa plenária final, nosso grupo chegou às seguintes propostas:
1) Sobre o foco da avaliação, defendermos que devemos fortalecer os vínculos com os aspectos socioeconômicos, proporcionando maior relevância com orientação regional:
• Catalisar abordagens intersetoriais e baseadas na ciência para garantir a longo prazo sustentabilidade das atividades econômicas para a proteção e preservação do ambiente marinho;
• Melhorar a integração global coesa de tópicos com resultados de relevantes convenções marítimas que alimentam a(s) avaliação(ões);
• Considerar um uso ativo de estudos de caso regionais e locais, com vista ao aumento da ressonância da(s) próxima(s) avaliação(ões) com os tomadores de decisão e intervenientes ao nível regional, nacional e local;
• Melhorar a compreensão do público sobre a sustentabilidade dos oceanos, promovendo diálogos com as partes interessadas para identificar soluções e resolver conflitos entre diferentes usos do oceano.
2) Sobre a estrutura sugerimos que, em relação ao tamanho/comprimento do documento:
• WOA III deveria ser um livro único em formato mais curto, estruturado de maneira prática e focada, fornecendo informações integradas;
• Resumo executivo conciso a ser incluído com hiperlinks para informações essenciais. O Grupo-alvo desse documento deverá ser os formuladores de políticas públicas, sendo assim recomendamos:
• o uso de marcadores e destaques, linguagem direcionada para o público-alvo, evitando formatos de escrita específico de acadêmicos.
Também foram indicadas algumas ferramentas úteis como:
• Resumos executivos
• Simulações de cenários (cenários e números para formuladores de políticas)
• Roteiro de tomada de decisão
• Uso inteligente de anexos/caixas
• Tradução para versões em vários idiomas
• Ênfase no uso da plataforma online como principal método de divulgação
• Breves resumos de políticas e infográficos para facilitar a comunicação e disseminação de informações
• Uso do site do Processo Regular, mídia social e campanhas de massa para disseminar os resultados do Processo Regular
• Desenvolvimento de um ajuste para estratégia de comunicação de propósito (por exemplo, documentários cinematográficos, infográficos, flyers, vídeos, resumos, mídias sociais digitais) para aumentar a conscientização sobre a importância do oceano
• Módulos de capacitação sobre o Processo Regular e seus resultados, incluindo vídeos sobre o Processo Regular. Além disso, alguns outros pontos foram sugeridos, como:
• Estabelecer protocolos para harmonizar a coleta de dados
• Desenvolver recomendações para passos futuros na agenda internacional do oceano
• Produzir diretrizes para avaliações nacionais no âmbito do Processo Regular.
3) E finalmente sobre os tópicos nosso grupo propôs:
• A ciência e o conhecimento mais recentes sobre a conectividade terra-oceano em várias disciplinas;
• Ênfase nas variáveis essenciais do oceano com consideração de outras métricas de biodiversidade;
• Modelos para garantir o acesso equitativo aos recursos marinhos e sua valorização através de uma abordagem ecossistêmica;
• Abordagens de gestão para promover a conservação e restauração de ecossistemas marinhos;
• Pescas que são específicas da região e exploração de novas espécies potenciais cujo valor pode ser destacado para combater os atuais desafios de sustentabilidade, incluindo mudanças climáticas;
• Implicações das diferenças de gênero e desigualdades de gênero no acesso aos benefícios do oceano;
• Governança marinha ao nível internacional e nacional;
• Microrganismos.
Bastante informação né? Um desafio escrever sobre esse processo todo, tão importante! E ainda estamos na metade do ciclo, o processo regular vai até 2025, e ainda existe a possibilidade de mandar o currículo para participar do grupo de especialistas que produzirá a nova avaliação viu!
Querem saber mais sobre o assunto? Dá uma olhada nesses links que eu compartilho aqui:
E qualquer dúvida, podem mandar um e-mail ou mensagem direta para mim! Seguem os contatos: barbara.pinheiro@gmail.com e Instagram @barbara.pin
Sobre a autora:
Bárbara Pinheiro é bióloga com especialização em gestão de ambientes costeiros tropicais, mestrado e doutorado em oceanografia pela UFPE. Atualmente pesquisadora de pós-doutorado no Programa de Desenvolvimento Científico e Tecnológico Regional no Estado de Alagoas no PPGRHS/ UFAL, atua também no PELD-CCAL. Membra da secretaria executiva e co-coordenadora do GT-Década da Liga, também é secretária no GAM-NE e diretora-executiva do Instituto Yandê.
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