Um documentário que está dando o que falar, o Seaspiracy, tem dividido opiniões de cientistas, marinhos ou não, sobre o que pode ser aproveitado e aquilo que está mais aliado à desinformação do que aparenta.
A Liga das Mulheres pelo Oceano promoveu um evento sobre o documentário que contou com a experiência e conhecimento de especialistas da área e integrantes da Liga que comentaram sobre os vieses, os fatos, e as potencialidades do documentário. O evento ocorreu dia 15/04 e contou com a presença de: Ana Paula Prates (Gestora Ambiental), Beatrice Padovani (Professora em Oceanografia pela Universidade Federal de Pernambuco), Cintia Miyaji e Nathalie Gil para dialogar com outras mulheres da Liga e aprender mais sobre o que pode ser levado a sério e o que não passa de equívoco. Como o evento foi aberto apenas às participantes do movimento, confira os principais pontos abordados:
Um problema de narrativa
O diretor e produtor do documentário, Ali Tabrizi, tinha como objetivo principal mostrar as belezas do oceano, mas parece que ele gerou o efeito contrário. Em um primeiro momento, logo quando se dá conta da degradação do oceano e das ações cruéis dos humanos contra os mares, o diretor se vê perdido entre narrar a sua posição nas limpezas das praias ou a sua preocupação com a caça de baleias e golfinhos. Partindo desse ponto de preocupação Ali se encontra com caçadores na Ásia e narra todas as crueldades que encontra pelo caminho.
Fez o que prometeu: repensar o consumo exagerado de peixes e também a poluição nos mares e praias. Mas errou ao dizer que o jornalismo não está cobrindo essa e outras crueldades com os animais marinhos e o oceano. Errou também ao dizer que os “bandidos” são os asiáticos e os mocinhos são, em sua maioria, homens brancos do norte global.
Uma estratégia de marketing bem elaborada é um ótimo começo de conversa para nós, leigos ou acadêmicos, entendermos que ouvir apenas um lado da história não é eficiente. Dados globais apontam que são mais de 3 bilhões de pessoas ao redor do mundo que sobrevivem através da pesca de pescado. Considerando a diversidade de comunidades envolvidas na indústria da pesca, o documentário faltou com a escuta de todas as versões da história.
Muitos dos personagens principais da indústria da pesca não foram incluídos no seu lugar de fala. Um ótimo exemplo são os pescadores artesanais, que poderiam ter exposto quais são os problemas ambientais e os desafios que eles enfrentam diariamente. Além disso, o documentário traz falas fora de contexto, demonstrando uma certa falta de empatia com os entrevistados.
Consumo de pescado e sustentabilidade
A pesca sustentável ainda é difícil de se definir. Para ser sustentável é preciso permitir que a população de pescado possa se recuperar. Isso também traz outra dimensão: a dos consumidores. É de extrema importância que os consumidores se questionem de onde vem e como é produzido aquele produto ou pescado. Porém, o diretor se equivocou ao tratar o consumo de pescado e a atuação de ONGs de uma forma um tanto rasa. Esse pode ser um começo de um debate sobre o tema, mas não devemos aceitar o extremismo mostrado em cena.
Trabalho na pesca
Quando interceptam um barco de pesca ilegal e mostram os homens em uma canoa como sendo vítimas de uma pesca comercial e ilegal, Tabrizi perde a oportunidade de envolve-los do debate e realmente discutir a questão da condição de trabalho dos pescadores. Uma das participantes no debate da Liga comentou que a pesca artesanal foi pouco comentada e, mesmo sem ter uma comparação direta com os dois homens na canoa, ela diz que para eles essa também não é uma realidade fácil. “Não podemos acreditar que a pesca artesanal não é sustentável quando os próprios pescadores artesanais retratam as condições de trabalho”, complementou.
Furando bolhas
O documentário tem o potencial de atingir muitas pessoas e expõe para o mundo pontos que há muito tempo estão sendo falados por especialistas da área pesqueira, justiça ambiental e conservação do oceano. Contudo, é importante fazer a ressalva de que a pesca não é igual em todo mundo, mesmo a artesanal. Por exemplo, a pesca artesanal que temos no Brasil equivale a uma agricultura familiar, o que não é o caso de muitos dos países mostrados no filme. Generalização não é o caminho. Para contar as muitas narrativas de uma história, portanto, deve-se ir além. É preciso coletar dados e informações para a pesca sustentável, estabelecendo um marco estruturado. Ainda, é necessário considerar a fiscalização e as condições de trabalho, tornando o governo uma personagem importante, assim como os Sindicatos de Pesca e os diferentes tipos de pescadores.
Segundo uma das participantes, uma hora e vinte minutos é pouco tempo para tratar desses assuntos. Contudo, acredita que foi um ótimo começo para uma conversa que pode ser abordada em diversos outros documentários. “Esse é um ótimo momento para começarmos a discutir, foi colocada uma luz em todo o trabalho que estamos fazendo e ainda temos muito pela frente, mas já é um começo”, comentou. Já outra especialista em oceanografia diz que esse é um documentário que fura a bolha social, mas não traz nada de novo quando falamos na degradação ambiental, “nada é inocente ou por acaso”, complementa.
Texto: Tayla Sanchez
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