O Brasil possui um extraordinário acervo hídrico, que se situa entre os mais expressivos do mundo. Assim como o oceano, os rios são elementos essenciais à vida dos ecossistemas, bem como ao abastecimento do consumo humano, e o desenvolvimento de suas atividades industriais e agrícolas.
A oferta de água se apresenta como fator fundamental e qualquer modificação em sua oferta natural poderá trazer profundas oscilações no equilíbrio dinâmico dos ecossistemas naturais, com sérias consequências econômicas e sociais. Vivemos em um período de sucessivas crises hídricas, que podem ficar ainda mais severas com os efeitos das mudanças climáticas. Exercer uma gestão eficiente e sustentável dos recursos hídricos é uma questão de sobrevivência.
Como o uso do solo na bacia hidrográfica afeta a zona costeira, ambas as esferas devem ser geridas de maneira integrada. Contudo, as políticas brasileiras de manejo dos dois ambientes estão fragmentadas e não há efetiva consideração da zona costeira como parte integrante da bacia hidrográfica. A contaminação das águas costeiras e estuarinas e o aumento da intrusão salina são exemplos de problemas que podem surgir quando a gestão não é feita de forma integrada.
Atualmente, o desafio não é somente acabar com a poluição nas praias e oceano, mas também nas margens dos rios que carregam enormes quantidades de poluentes, que contaminam e preocupam a vida marítima, pois afeta a saúde humana e a vida aquática, ocasionando danos ao ecossistema e à saúde das pessoas. Os esgotos, pesticidas, metais pesados, resíduos sólidos e outros poluentes chegam ao litoral através do curso das águas doces, gerando tal problema ao planeta.
Neste contexto, as terras indígenas cumprem papel essencial de preservação da biodiversidade, rios, nascentes e solo, dada a convivência harmoniosa entre os povos e a floresta. Pesquisas mostram que apesar de comporem menos de 5% da população mundial, povos indígenas ajudam a proteger cerca de 80% da biodiversidade global. Mas discriminação, violência, pobreza e pouco acesso a serviços básicos continuam sendo problemas comuns para as comunidades indígenas na América Latina e no mundo.
No Brasil, o recente debate sobre o Marco Temporal trouxe esse tema para as primeiras páginas de notícias. O Marco Temporal começou a ser discutido mediante recurso emitido pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e está em trâmite no STF desde 2007. A tese coloca indígenas e produtores rurais em lados opostos pela disputa de terras. Apesar de a Constituição Federal de 1988 representar uma mudança de paradigma na forma como a sociedade enxerga a questão indígena, ao sair de um olhar colonialista e adotar uma postura de respeito à identidade cultural desses povos e ao direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, 30 anos depois eles continuam sofrendo ameaças. Com a MP n.º 870/2019, o Presidente transfere para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) a identificação, delimitação, reconhecimento e demarcação das Terras Indígenas, esvaziando a Fundação Nacional do Índio (Funai).
O Marco Temporal define que uma terra indígena só pode ser demarcada se for comprovado que as comunidades originárias já estavam estabelecidas sobre o território requerido na data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, em 5 de outubro de 1988, ou se ficar comprovado conflito pela posse da terra. O julgamento do “marco temporal” sobre a demarcação de terras indígenas foi suspenso pela terceira sessão seguida pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). O desfecho dessa história ainda é incerto, mas a luta pela preservação dos direitos das populações indígenas no Brasil continua, e deve ser adotada por toda a nação brasileira.
A saúde dos nossos ecossistemas depende diretamente da saúde dos povos indígenas. Floresta em pé, rios e mares limpos, e indígenas vivos!
Este texto foi escrito por Elisa Homem de Mello, jornalista ambiental e colaboradora de conteúdo da Liga.
Foto de capa: Jordan Heath pelo Unsplash
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