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Poluição por Plásticos: Os desafios para fechar essa torneira

Atualizado: 25 de jul. de 2023

Por Debora Camacho Luz


Há alguns meses, em uma caminhada de 30 minutos por uma pequena praia no litoral de Pernambuco, me vi com as mãos cheias de garfinhos, facas, e outros resíduos plásticos. Esses 30 minutos são a metade do tempo que um garfinho de plástico é utilizado e, bem, tentei estimar o equivalente do tempo que demora para se degradar, mas esse cálculo fica insano. Imagine você, se 1 ano tem 8.760 h quantas horas tem 500 anos? É isso mesmo, caso você ainda não saiba, 500 anos é o tempo que aquele garfinho de plástico, usado por algum turista para comer milho na praia, demora para se degradar.


Mas o problema já nos é bastante conhecido, ou ao menos deveria ser, o que ignoramos ainda é a solução. Como lidar com os 430 milhões de toneladas¹ de plásticos que são produzidos anualmente, em especial aqueles de uso único, como os garfinhos do exemplo acima? E com as 11 milhões/t² que vão parar no oceano todos os anos e colocam em risco a vida marinha e a saúde humana? E ainda mais difícil, as milhares de toneladas que já estão depositados de alguma forma no ambiente?


É o que governantes, cientistas, membros de organizações sem fins lucrativos e representantes da indústria do plástico estão tentando responder durante as negociações do Tratado Global contra a Poluição Plástica, que reúne 175 membros das Nações Unidas. Você ainda não ouviu falar sobre o tratado?


Resumidamente falando, esse tratado é um marco histórico na política ambiental internacional. Trata-se de um movimento, liderado pelo Programa das Nações Unidas pelo Meio Ambiente (PNUMA), para a elaboração de um documento de responsabilidade internacional sobre a poluição plástica. As discussões tiveram início durante a Assembleia do Meio Ambiente das Nações Unidas, em Nairóbi, em março de 2022, na qual foi publicada uma resolução que serve de norte para as discussões do tratado, entre elas a previsão de cinco encontros intergovernamentais para a elaboração do texto do instrumento legal. O primeiro encontro de negociações foi realizado em Punta del Este, no Uruguai, em novembro de 2022 e o segundo ocorreu entre os meses de maio e junho de 2023 em Paris, na França. Os próximos três encontros estão previstos para ocorrer no Quênia, Canadá e Coreia do Sul. Além das reuniões, o PNUMA também publicou um relatório (acesse aqui) que tem como objetivo orientar os países participantes na formulação de políticas que transformem a economia do plástico que conhecemos atualmente.


Para nos ajudar a entender um pouco mais dessas questões e como podemos contribuir para fechar essa torneira, conversei com a pesquisadora em direito do mar Adriana Sá Leitão. A cearense, formada em direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), está realizando sua pesquisa de doutorado na Universidade de Pisa, na Itália. Ela me contou que seu interesse pela área surgiu na graduação, durante as aulas de Direito Internacional quando fazia intercâmbio na Argentina. A criação no mar de Fortaleza, no entanto, já havia despertado em Andriana o cuidado com a preservação marinha.


Em 2021, durante seu mestrado, realizado na UFC, Adriana começou seu trabalho com a temática da poluição plástica, orientada pela professora Dra. Tarin Mont’Alverne. Antes mesmo do Tratado Internacional Contra a Poluição Plástica ter início, Adriana e Tarin já se dedicavam a entender quais eram as lacunas que havia nos grandes acordos internacionais sobre o tema.


“Na nossa dissertação a gente constatou as lacunas nos grandes acordos internacionais que tangenciam o tema da poluição plástica, como as Convenções de Basileia, Roterdã e Estocolmo”.


Até 2022, não havia uma governança formada para tratar sobre o plástico, que hoje se torna o maior passivo ambiental do mundo. As convenções estudadas pelas pesquisadoras, no entanto, já traziam pontos de preocupação com a produção de plástico no mundo, focando principalmente na questão dos produtos químicos incorporados na nesses materiais.


A articulação de um tratado global específico para o tema, por tanto, traz esperança àqueles que já há algum tempo anunciam a urgência de “fechar a torneira da poluição plástica". Estão colocados à luz dos debates os desafios e as oportunidades de desenvolver um novo modelo econômico para o plástico. O Brasil ocupa o 6º lugar no ranking dos países poluidores plásticos do mundo³.


Para Adriana um dos maiores desafios do tratado é justamente equiparar os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. Promover a conscientização ambiental em países onde não há amplo acesso a direitos básicos como saúde, educação e alimentação de qualidade é um dos pontos mais complexos a ser desenvolvido neste tratado. A pesquisadora ainda ressalta a necessidade da criação de um fundo de investimento para que estes países possam acessar e ter condições de investir no combate à poluição plástica.


“Como impor a países em desenvolvimento as mesmas políticas de banimento de plástico de uso único aplicada nos países desenvolvidos, sendo que em países como o Brasil, por exemplo, lidamos com problemas de base onde muitos não tem nem saneamento básico e segurança alimentar?”


De fato, a discussão sobre estas relações (países desenvolvidos e países em desenvolvimento) e o combate à poluição plástica é bastante complexa. Um exemplo disso também pode ser dado em relação a importação de produtos plásticos vindos de países industrializados, como a China. O país é o maior exportador de produtos plásticos do mundo4. Barato e com forte apelo de consumo os produtos chineses chegam aos montes nos portos do Brasil. Adriana fala que é preciso manter um olhar atento a estes possíveis conflitos, uma vez que a não adesão do país asiático, por exemplo, pode concorrer ainda mais com o mercado interno, aumentando os abismos da desigualdade.


Se por um lado temos grandes desafios pela frente, por outro podemos enxergar oportunidades. Como bem citado pela pesquisadora, até a década de 1950 a sociedade vivia sem a existência do plástico, no entanto na sociedade moderna já não conseguimos pensar como viver sem esse material que se faz presente e necessário em áreas complexas como a da saúde. Aí entra o ‘X’ da questão, como transformar essa relação tóxica em uma relação harmônica e sustentável para além das restrições?


No âmbito do tratado ainda houve pouco avanços nesse sentido. Muitas soluções propostas ainda focam no final da cadeia do plástico, ao invés de repensar nossa relação com esse produto como um todo, e alterar o ciclo de vida do material desde a sua produção. Esse é o caso da reciclagem química, alternativa levantada por alguns representantes da indústria do plástico. Segundo Adriana, contudo, esta não é uma boa opção uma vez que o processo, assim como a reciclagem mecânica, é pouco eficiente e pode provocar a liberação de mais microplásticos no ambiente. A discussão acerca da efetividade dos meios de reciclagem disponíveis atualmente, no entanto, é bastante complexa e novos estudos precisam ser realizados.


Mas se não conseguimos eliminar completamente o plástico e reciclar não é uma solução eficiente, o que podemos fazer?


Deixo essa pergunta sem resposta e convido você para refletirmos juntas sobre o assunto na próxima matéria sobre o tema aqui no Blog da Liga, onde eu mostro que há um caminho de esperança!


Referências | Para saber mais:

Sobre a autora:

Débora Camacho Luz é Bióloga, formada pela Universidade Federal de Rio Grande (FURG), membro da Liga das Mulheres Pelo Oceano e bolsista CNPq DTI na Rede Ressoa Oceano. A Ressoa Oceano é uma rede formada pela Liga das Mulheres Pelo Oceano, o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da UNICAMP (LabJor), a Cátedra da Unesco pela Sustentabilidade do Oceano e a Ilha do Conhecimento. Essa rede tem como objetivo promover a ciência e a cultura oceânica para além do litoral e centros de pesquisa, conectando cientistas e jornalistas para a abordagem do tema nos meios de comunicação e investindo em projetos e iniciativas de comunicação sobre o oceano.


Sobre a entrevistada:

Adriana Sá Leitão Di Pasquale é Bacharel em Direito e Mestre em Direito e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Ceará - UFC. Doutoranda do Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade de Pisa (UNIPI - Itália), na área de concentração Direito Comercial, Direito Internacional, Direito da União Europeia e Processo, em cotutela na Universidade Federal do Ceará (UFC). Colaboradora do Centro Internacional de Direito Ambiental Comparado (CIDCE - França), com pesquisas focadas no Tratado global da ONU contra a poluição por plásticos. Mentora da Linha de Direito da União Europeia no Grupo de Estudos em Direito e Assuntos Internacionais (GEDAI/UFC) e pesquisadora do Centro de Estudos em Direito do Mar "Vicente Marotta Rangel" (CEDMAR/USP).



Esse texto foi produzido em parceria com o projeto Ressoa Oceano.

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