Liga Convida: Liana Mendes
O que é mergulho científico afinal? Por definição, se resume em uma atividade que utiliza procedimentos científicos na produção de estudos e trabalhos técnicos em ambientes subaquáticos. Ou seja, é o tipo de mergulho, seja de snorkel (mergulho livre) ou scuba (mergulho autônomo), que integre o uso da metodologia científica durante sua realização. A abordagem científica vai se desenvolver com foco na construção de perguntas e respostas que deverão ser investigadas utilizando métodos de amostragens subaquáticas. E é muito importante que esses métodos devem ser passíveis de serem reproduzidos. Esta é a jornada da ciência, onde as respostas geradas podem ser testadas e comprovadas… ou não! Ou seja, o mergulho científico marinho não se resume apenas em estar submersa, observando e contemplando as belezas e imensidão encantadora do universo aquático, mas inclui a tomada de informações (dados), de forma consistente, a fim de responder questões científicas.
Algumas das linhas deste tipo de atividade contemplam pesquisas sobre fauna, flora, estudos ecológicos, ocorrência e distribuição de espécies, avaliação do solo marinho, pesquisas com foco em arqueologia, dentre outros. Além disso, por meio de acompanhamentos (monitoramentos) de áreas específicas e ao longo do tempo, é possível saber o que está acontecendo com os oceanos, como por exemplo compreender a dinâmica de branqueamento e morte de corais em ambientes recifais em decorrência do aquecimento global, monitorar a interferência humana no ambiente, compreender como a poluição e emissão de sedimentos ao mar tem afetado as comunidades de organismos em nos mais diversos habitats, como poças de marés, costões rochosos, etc. Tudo isso através da coleta de dados gerados por meio de registros diretos durante a realização destes mergulhos.
Em meados de 2023 foi publicado o primeiro artigo científico que conta a história, o presente e as perspectivas das atividades de mergulho científico no Brasil. O Grupo de Trabalho (GT) de Mergulho Científico brasileiro que conduziu esta publicação é apoiado pelo PPGMAR/SECIRM (Comitê Executivo de Pesquisa e pós-graduação em Ciências do Mar/ Comissão Interministerial para os Recursos do Mar), e o trabalho está disponível na revista Ocean and Coastal Research.
Os primeiros mergulhos científicos no Brasil tiveram início na década de 40, onde apenas o mergulho livre era utilizado para descrição ecológica da zona litorânea, e onde eram coletadas amostras de organismos. A partir das décadas de 60 e 70 tiveram início os mergulhos científicos utilizando equipamento autônomo (Scuba). No entanto, tal atividade começou a ganhar força no país nas décadas de 80 e 90, com aparecimento de novas tecnologias digitais que facilitam a coleta de dados, juntamente com a modernização dos equipamentos de mergulho. A partir da virada do milênio, a produção científica utilizando esta atividade como ferramenta de trabalho deu um grande salto. Com o passar dos anos, além do aumento do número de pesquisas, houve também uma expansão espacial quanto aos locais de estudo, englobando desde regiões rasas e profundas da costa brasileira (mais de 100m), até lugares mais remotos como ilhas oceânicas, cavernas alagadas, áreas geladas como a Antártica e ambientes de água doce, como rios e corredeiras.
Considerando que o Brasil tem uma das maiores extensões costeiras do planeta, apresentando uma notável biodiversidade marinha e características oceanográficas e históricas únicas, era de se esperar que o número de pesquisas realizadas debaixo d’água fosse mais elevado até o momento, comparado ao conhecimento e pesquisas feitas em ambientes terrestres. Mas este não é o caso! Vocês devem pensar - Ah é porque somos seres terrestres e então é bem mais fácil estudar no ambiente em que a gente vive. Sim, esta é parte da resposta a este cenário, mas o que sabemos também é que a falta de estudos se refere a restrições tecnológicas, logísticas e financeiras, que vão desde dificuldades para obtenção dos equipamentos de mergulho, até a normatização de protocolos voltados à capacitação de pessoas para desenvolver tais atividades. Além disso, atualmente se destaca que no Brasil não existe um tipo de seguro especializado que resguarde a vida de cientistas mergulhadoras, uma realidade efetivamente assustadora para quem trabalha e pesquisa nesta área. Outra barreira a ser vencida é que instituições de fomento à pesquisa científica nacional (ex. Capes, CNPq) não disponibilizam recursos diretamente voltados a pesquisadoras e pesquisadores que necessitem cursos de mergulho como parte de sua formação.
O GT de Mergulho Científico brasileiro vem direcionando esforços na solução dos problemas apresentados, com avanços significativos, por exemplo, na elaboração de conteúdos mínimos para capacitação de recursos humanos. No entanto, caminha a passos lentos em temas como a regularização nacional e seguro de vida, uma vez que isso depende de outras instituições para desenrolar os nós.
O desenvolvimento do mergulho científico oferece pouco ou praticamente nenhum impacto aos ambientes naturais, e é pouco invasivo. No entanto, é uma atividade especializada, e que deve ser realizada por pessoas que tenham afinidade com o mundo subaquático, pois o fato de estar trabalhando submersa pode causar uma sensação desconfortável. Por outro lado, aquelas cientistas que gostam de estar debaixo d’água encontram-se literalmente mergulhadas no fantástico privilégio de trabalhar flutuando ao sabor da maravilhosa natureza marinha.
Sobre a autora
Liana Mendes é bióloga e mãe de dois rapazes, Lui e Ravi. É graduada em biologia na USP-Ribeirão Preto, com Pós-Graduação em Zoologia, no IB/USP-SP. Em seu pós-doutorado, comparou recifes brasileiros com recifes caribenhos da Costa Rica. Atualmente é docente na UFRN em Natal, e trabalha e orienta estudantes na linha de bioecologia de peixes, invertebrados marinhos e conservação de ambientes recifais. Fundadora da ONG Oceânica, e participante do Grupo de Trabalho vinculado ao PPGMar, com foco em mergulho científico, Liana sempre se interessou por ambientes subaquáticos, adora mergulhar, e se considera uma pessoa das águas.