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Liga na Década: um Oceano Saudável e Resiliente, com Marina Sissini

O conceito de resiliência pode ser assumido como o potencial de um sistema de retornar a uma condição após sofrer algum impacto. Esta meta inserida dentro da Década das Nações Unidas da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável beira a redundância, pois para garantirmos a saúde do oceano, precisamos que ele seja resiliente e para ele ser resiliente, precisa estar saudável. Políticas públicas de incentivo à ciência, no combate à poluição, extração de petróleo e uso de agrotóxicos são apenas algumas das medidas necessárias para o comprimento dessa meta. Será que a sociedade tem o que precisa para caminhar nesta direção?


[Liga] Conte um pouco sobre você.

[Marina] Olá, o meu nome é Marina, eu sou brasileira, filha da dona Leila do seu Luís e sou mãe do Theo e do Ian, 2 menininhos de 4 anos. Sou bióloga de formação, me formei em 2011 na UFSC. Em seguida, fiz mestrado no Programa de Algas, Fungos e Plantas da mesma universidade. Em seguida, fiz doutorado em Ecologia pela UFSC e defendi esse ano (2021). Atualmente, eu trabalho como pós-doutoranda da Universidade Federal Fluminense e no Projeto de Monitoramento de Longa Duração das ilhas oceânicas brasileiras (PELD-ILOC). Além da minha bagagem profissional, gosto de caminhar pela floresta e estar em contato com a natureza. Estou num projeto de vida de aprender a fazer tudo aquilo que consumo e nesse processo, refletir sobre a origem das coisas. Sobre a mão de obra, sobre dedicação, sobre o conhecimento associado àquilo e depois qual que é o impacto disso que produzi no planeta: para onde vai? Como é descartado? Nesse meu projeto pessoal, o mais recente foi aprender a fazer sabonetes artesanais a partir do zero.

[L] Qual seu vínculo e sua experiência com o oceano?

[M] Desde pequena, como uma boa paulistana da gema, minhas idas ao encontro da natureza eram esporádicas. Eu ia muito para o sítio do meu avô em Atibaia, no interior de SP, um lugar maravilhoso, num vale cercado de Mata Atlântica. Mas as ilhas e a praia eram menos frequentes, apenas durante as férias de verão. Eu tinha muita vontade de aprender a surfar, me deliciava, mas não era algo do meu dia a dia. Foi somente no final do meu ensino médio que, já decidida a fazer biologia, comecei a procurar universidades e, por algum motivo, vim parar em Florianópolis e aí sim acabei literalmente sendo cercada pelo oceano.


Logo no início da graduação, me encantei pelo laboratório de algas marinhas. As algas e a botânica eram uma das áreas que eu mais gostava, era apaixonada pelas plantas, talvez pela minha vivência na infância no sítio do meu avô. Certa vez, trabalhei na limpeza de um barco para poder trocar por mergulhos e, quando eu mergulhei na barreira de corais, fiquei encantada com quantos organismos, e coisas diferentes estavam na minha frente. Foram dias muito exaustivos, mas também foi um grande agente transformador da minha formação. Compreender o que eu estava vendo me motivou depois a seguir no mestrado e no doutorado alimentando minha experiência com o oceano.


Eu tive a sorte de viver os Anos Dourados da ciência brasileira com muito investimento e oportunidades. Na pós-graduação, me dediquei ao projeto ProspecMar-Ilhas que avaliou a biodiversidade marinha em todo o litoral brasileiro e em ilhas oceânicas, então pude mergulhar, participar de muitas expedições e ter contato com muitos pesquisadores experientes, verdadeiras referências e ícones, o que me proporcionou bastante aprendizado de biologia marinha brasileira. Também tive a oportunidade de ir para a Antártica e conhecer um pouco sobre o oceano polar, foi uma experiência indescritível. Aumentando ainda mais a minha vontade de conhecer o oceano e fazer algo diferente e significativo em prol do seu bem-estar.

[L] Em qual aspecto da profissão de pesquisadora você sentiu maior diferença ao se tornar mãe?

[M] Essa é uma pergunta excelente. Eu fui mãe durante o início do meu doutorado, engravidei no primeiro ano e os meus filhos nasceram no segundo ano. Eu digo brincando que o meu doutorado ele foi mais um doutoramento em humanização do que de fato científico (não desmerecendo toda a ciência). Ao ser mãe eu abri camadas de nitidez sobre a realidade, sobre a sociedade e precisei transitar por alicerces frágeis da sociedade.

Então foi a partir disso, que eu consegui reconhecer todos os privilégios que eu tinha tido até estar ali: de poder frequentar uma universidade federal com bolsa, casa, comida, sem precisar trabalhar para me sustentar, por eu ser branca, ter uma família que me apoiou com as minhas decisões e etc. Ao ser mãe, eu consegui perceber que algumas coisas não estavam muito certas, por exemplo, o apoio que nós, mães, não temos. Porém, apesar tudo, eu tive muita sorte de ter uma família que me apoiou em continuar no doutorado, o orientador que respeitou completamente meu tempo e me validou quando eu precisei retornar quando eu senti que eu estava pronta e que meus filhos estavam um pouco maiores, ele continuou me dando oportunidades, ele não me anulou por ser mãe. A diferença de se tornar mãe, é que a gente aprende a respeitar o tempo, tudo tem seu tempo.


No caso, eu sendo mãe solo de gêmeos, foi necessário pausar algumas coisas da minha carreira. Neste momento de pausa, eu achei que talvez nunca mais pudesse voltar a ir para campo, que as coisas seriam muito mais difíceis, mas com o tempo, aquilo sendo a sua profissão, sua paixão e aquilo que te move, você volta. Agora, eu vejo que depois de tudo eu voltei com muito mais gana e determinação ao perceber a responsabilidade que tinha de fazer um bom trabalho e contribuir para a mudança não só do conhecimento científico, mas estrutural da sociedade, apoiando outras mães e lutando por políticas públicas que acolham outras mães que talvez não tenham tantos privilégios quanto eu tive.


Eu acho que ser mãe foi um grande processo de humanização e saber que a gente precisa de mais mães na ciência, mais mães em posições de políticas públicas, que promovam a inclusão.

[L] Com as últimas notícias e relatórios (do IPCC, por exemplo), você acredita que é possível alcançarmos o objetivo de um Oceano Saudável e Resiliente?

[M] Eu não vejo outra opção que seja diferente de alcançarmos, a gente tem que fazer isso, agora é hora de agir, não há mais tempo para não agir, é agora ou nunca. A ciência já tem conhecimento e base suficiente para promover mudanças, talvez não tenha tempo de educarmos a nova geração. Vejo isso sendo mãe, que quando ensinamos coisas como mudanças climáticas, consumo e reciclagem, aquilo já é intrínseco da criança e é incrível perceber isso, mas todo o resto dos seres humanos, não tem como, não há tempo para educá-los.


Acredito que agora é o momento de políticas públicas efetivas para assegurar o que não pode mais continuar como emissões de CO2 e exploração de petróleo e nós possuímos sim conhecimentos na ciência para reverter isso para um cenário que vise um oceano saudável e resiliente. É o que todos nós queremos e o que todos nós temos que colocar como metas para alcançar.

[L] Se você tivesse poder supremo por 1 dia, o que você faria em prol da saúde dos ambientes marinhos?

[M] Basicamente eu apostaria em 2 estratégias, uma seria investir em políticas públicas, organizar aquilo que precisa ser freado e que não dá mais para continuar, por exemplo: proibir produção de plástico, extração de petróleo, uso de agrotóxicos. Essas coisas não têm mais como continuar, essa não é mais uma opção para um para um oceano e para um planeta saudável. Além disso, focar em locais que precisam ser protegidos, na criação de unidades de conservação, mas também em fornecer a estrutura para as comunidades de usuários destas áreas, que eles sejam amparados e talvez encontrem outras oportunidades de sustento.


Outro ponto, seria o investimento na ciência, tecnologia e educação. Acredito que essas áreas têm o poder de subsidiar mudanças na produção de alimentos, objetos e estilos de vida menos agressivos ao meio ambiente, tudo vislumbrando um planeta saudável, ambientes marinhos saudáveis, resilientes e biodiversos.


Marina Sissini é mãe, bióloga e pesquisadora.


Esse texto foi coordenado por Giovanna Destri, membra do grupo de comunicação do GT-Década do Oceano da Liga das Mulheres pelo Oceano.

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