Por Elisa Homem de Melo
Eu não conheci a Maria Paula pessoalmente. Foi um desses encontros de última hora que você tem que dar um jeito e fazer a coisa acontecer. Tive tantos momentos entre minha carreira e a minha profissão, que só hoje, aos 50, consigo ponderar mais e melhor e saberia com mais clareza que caminho optar. Mas sei que na hora H, a gente passa como um turbilhão por cima dos problemas e simplesmente toca em frente. Foi assim comigo e foi assim com a Maria Paula também. E, por mais incrível que pareça, foi assim com muitas mulheres da Liga, que, na mesma semana, tinham montado uma espécie de confraria de mulheres, querendo dar vozes às suas carreiras e tempo à sua maternidade, sem que uma das escolhas fosse em detrimento da outra.
Eu entendi a Maria Paula, mesmo sem a conhecer pessoalmente. Ela é mulher, mãe e mestre em oceanografia. E não necessariamente nessa ordem. Ela poderia… melhor dizendo, ela deveria poder ser os 3, a hora que quisesse. E ela deveria ser reconhecida pelos 3 da mesma forma. Mas não é sempre assim. Aliás, quase nunca é assim. Sem planejar a gravidez e a chegada de um filho, Maria Paula teve muitos obstáculos pelo caminho.
"Quando o Kai nasceu, eu havia terminado meu mestrado havia algum tempo e estava desempregada. Foi no ano da pandemia, estava tudo muito incerto e não havia muitas vagas ainda. Quando consegui a bolsa DTI (Desenvolvimento Tecnológico e Industrial), o Kai tinha 10 meses. Era final de ano, o que dificultou muito tudo, já que é uma idade complicada para achar creches (muitas só aceitam quando a criança anda) e as municipais estavam abrindo vaga para o ano seguinte ainda. Foram os meses mais intensos, até pelo fato de que o trabalho que consegui, não era exatamente o que eu sabia fazer, então precisei estudar muito para iniciar qualquer coisa.
Depois que ele foi para a escola, facilitou um pouco mais. Mas acredito que muitas das dificuldades que tenho sejam semelhantes a outras modalidades de trabalho, que é a questão de horário. O horário que trabalhamos não condiz com os horários da creche, e a partir do momento que ele está em casa, é impossível trabalhar (eu trabalho home office!). Porém, o que difere a bolsa de um trabalho comum, é a instabilidade. Minha bolsa (por ser DTI) tem um prazo menor e a renovação é sempre um processo difícil. Por se tratar de um projeto grande, o coordenador do projeto não é meu coordenador, o que dificulta a renovação. Sem falar na questão de custos, já que se você tem um trabalho CLT, você tem inúmeros benefícios e reajustes salariais mais frequentes. Com as bolsas, querem que trabalhemos igual ou mais que as empresas, porém sem nenhum benefício. E custear uma família aqui no Brasil é muito caro."
Até aí a Maria Paula já tinha explicado meio que tudo! Gente! O setor científico necessita de um olhar, no mínimo, mais amoroso para com suas pesquisadoras. E ela continua…
"Durante a graduação, meu projeto de iniciação científica envolveu estudar sobre as bactérias biodegradáveis de óleo, em especial o petróleo, na água do mar. No mestrado, ampliei o foco para a dispersão de petróleo no meio marinho, com auxílio de modelagem numérica (software Delft3D), visando saber como esse composto se comporta após um derrame no mar, e assim, determinar a melhor estratégia de remediação". Que gênia, pensei comigo!
"Atualmente trabalho com análise de dados ambientais e segmentação de imagens de satélite no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Monitoro possíveis manchas de óleo na costa brasileira". O trabalho desta mulher é de suma importância, pois se der ruim, é ela quem aciona o melhor plano de contingência para o evento em questão.
A esta altura, não foi surpresa alguma quando descobri o que ela pensava em relação ao oceano e às mudanças climáticas: "já sabemos que o oceano é o regulador da temperatura do planeta, e que nosso impacto nele tem afetado essa questão. Porém, o aquecimento do planeta é inevitável, é um movimento cíclico da natureza. O que precisamos fazer agora é aprender como lidar com essa mudança, adaptando nosso modo de vida para tentar viver em harmonia com o ecossistema, sem causar mais danos".
Assim como o sonho de muitas das cientistas aqui da Liga, o sonho da Maria Paula, um dia, também foi ser uma grande oceanógrafa e trazer grandes contribuições para o Brasil. Atualmente, ela tem outras prioridades que lhe foram impostas pelas circunstâncias. "Quando mais nova, ainda na faculdade, tinha o sonho de ser uma grande oceanógrafa, trabalhar em grandes empresas como a Petrobrás. Hoje em dia, já prezo mais pelo meu tempo com a família. Ainda sonho em contribuir muito para a profissão, mas priorizando meu tempo livre. O sonho mesmo é continuar trabalhando remotamente, fazendo meu horário e aproveitando o tempo com minha família".
"Para as acadêmicas que querem ser mãe, eu digo: imponham seus limites. Não precisamos ficar das 7 da manhã até as 10 da noite nos laboratórios, nosso tempo é muito mais importante do que nosso título para nossos filhos. E façam planejamento financeiro! Tenha uma reserva financeira para aguentar os períodos sem bolsa, e principalmente, sua aposentadoria".
Sobre a entrevistada:
Maria Paula Graziotto é Mestre em Oceanografia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, sua atuação profissional é no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), como Bolsista DTI para o Projeto de Pesquisa e Desenvolvimento para Enfrentamento de Derramamento de Óleo na Costa Brasileira Programa Ciência no Mar. É pesquisadora da Componente 1, com a função de levantar, catalogar e pré-processar os dados existentes sobre o evento de vazamento de 2019 entre outros eventos comparativos, e definir e implementar a infraestrutura da base de dados, que serão disponibilizados para os demais integrantes do projeto e do público.
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