Por Fernanda Mendes Sartori, Ana Beatriz Sales e Nayara Almeida
Tem 3 dias que cheguei da COP26 e estou exausta. Essa é a minha segunda conferência do clima, e segunda vez que vejo discutirem meu presente e futuro na minha frente como se eu e todos os outros jovens do mundo não importassem. A conferência me parece um grande shopping. Isso mesmo. Um shopping. Com muitos stands, pessoas andando de lá para cá, com um milhão e um pouco mais de coisas acontecendo, inclusive vendas. Parece complexo, mas é simples e completamente normal dentro da lógica do capitalismo. Se você não está vendendo algo, você é o produto. O que vendem nessa COP? Nossos destinos, nossa biodiversidade, nossos paradeiros. Enquanto nós, ativistas, argumentamos pela vida, nos unimos pela vida, Eles, empresas, grandes nações e lideranças, negociam pela morte.
A COP é um ambiente hostil que, se bobear, você é engolido por ela. É um evento em que todo mundo usa maquiagem, as empresas desde sempre resolveram usar a verde - que, num bom academiquês, elas fazem greenwashing, greenimpact. Ou seja, vendem discursos de que são sustentáveis, são renováveis, não desmatam e estão fazendo o melhor possível. Na verdade, porém, são só discursos vazios que prometem coisas vazias, que se tornam atitudes vazias ao passo que o tempo não para.
(tic tac tic tac tic tac)
Há nações inteiras sumindo do planeta.
Até 2050, 17 milhões de pessoas na América Latina poderão ser forçadas a migrar.
O verão no Brasil está chegando e temos uma crise hídrica a enfrentar, e chuvas de verão para sobreviver.
70 a 90% dos recifes de coral serão afetados drasticamente com um aquecimento global médio de 1,5°C.
E nós, ativistas, seguimos resistindo, lutando, andando contra o relógio.
Desde quando me tornei ativista climática é essa a sensação que eu tenho: parece que os “””grandes””” líderes esquecem que falar da crise do clima é falar sobre pessoas, sobretudo pessoas que acreditaram neles para governar. E me parece que esse sentimento é um consenso entre os ativistas e militantes climáticos. A esperança em manter o planeta abaixo de 1,5 graus é equilibrista, e assim como Elis Regina canta, ela dança como um bêbado com chapéu de coco.
Ao passo que entro na conferência e ouço o Ministro do Meio Ambiente brasileiro fazer falas preconceituosas como “onde há floresta, há muita pobreza”, ouço que o presidente do Brasil fala que ativista vai para COP falar mal do Brasil. Que vejo grandes nações se retirando da responsabilidade de garantir que países insulares sigam (re)existindo, que em pleno 2021 ainda há nações como Índia e China que insistem em matrizes energéticas a carvão, o sentimento de fúria toma meu corpo.
Enquanto isso, vou pras ruas, me reúno com os verdadeiros líderes, os ativistas. Planejamos ações, compartilhamos utopias e meu coração se enche de esperança. Não é à toa que a maior parte dos ativistas na COP se encontram nas ruas. É nas ruas que a catarse acontece, que os planos para adiar o fim do mundo são feitos, que a gente combina de não morrer e ainda depois se encontra pra dar uma risada que abraça por debaixo da máscara. Mensagens como “Estamos de olho. Contamos com você”, “Nada sobre nós, sem nós”, “Aja agora”, “Quem comeu minha floresta?”, “Salve os oceanos”, “Poluidores paguem o preço”, “Poder ao povo porque o poder a ele pertence", "Nossa voz vai subir mais que o nível do oceano” são ecoadas o tempo inteiro.
Saio dessa COP com a mesma certeza de quando entrei: não é apenas daqui que a mudança virá. Não é vindo pra COP que a gente vai mudar o mundo. Não é daqui que o botão que vai frear a crise climática vai ser apertado. A COP é um pretexto. É no nosso dia a dia, é nos nossos círculos, é com ação local, é nos territórios, é nas periferias, é no voto em candidatos que defendem as florestas, os povos tradicionais, os direitos humanos e os oceanos nas eleições de 2022. E quem acompanhou essa conferência do outro lado do oceano também ficou bem decepcionado.
Há vários problemas: ausência de líderes, metas muito longínquas, pouca ação para o agora e uma verdadeira falta de representatividade. O Brasil faltou em mais de uma sessão da cúpula de Líderes Mundiais, não assinou uma série de compromissos e se isolou na bolha de quem ainda acredita que o clima e o meio ambiente são itens garantidos. A China simplesmente não esteve presente. A Índia colocou metas apenas para 2070 (20 anos além da meta estipulada para a COP). E claro, não se pode deixar os países do Norte Global fora dessa, até porque, muitas vezes, as mudanças rápidas que devem ser feitas num país para a redução de emissões de carbono são caras e impraticáveis sem certo auxílio deles. Países comumente associados ao progresso (seja isso o que for), como a Austrália, também postergaram soluções concretas aos tantos obstáculos para um futuro sustentável. Além disso, pelo alto custo do destino escocês, muitas comunidades tradicionais foram excluídas dos debates, e pautas importantes que elas poderiam trazer à tona ficaram simplesmente em escanteio (senão totalmente fora do campo).
Isso não quer dizer que não houve destaques positivos - na verdade, houve muitos. A transição de fontes de energia não-sustentáveis para sustentáveis e a justiça climática ganharam mais espaço nos debates, concluiu-se o Livro de Regras de Paris, houve a fala impactante da indígena brasileira Txai Suruí, diversas iniciativas para o fim do financiamento de carvão em escala nacional e ações de resistência vindas de organizações da sociedade civil. Deu pra perceber o nível de cobertura midiática que a COP26 teve - muito acima de suas antecessoras - principalmente relacionado à mobilização do povo. A questão é que tudo isso se traduz em duas coisas: 1- essas conferências enfeitam só a teoria; e 2- se estivermos incomodados, somos nós quem devemos agir.
Já é a vigésima sexta edição desta conferência global e o sentimento que fica é que, na prática, continuamos à deriva. Por parte dos jovens ativistas brasileiros, foram duas semanas de intenso estresse, mobilização e cansaço. A COP oficial fica no subjuntivo, no potencial, nos “poderia-ter-sidos”. E a ação tem de vir da juventude. É uma dinâmica, no mínimo, esquisita. E como sempre, nos resta cobrar que todas as promessas se transformem em realidades. Nos vemos ano que vem pra COP27, uma nova conferência, mas será que teremos novas, e reais, metas transformadas em ações?
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