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Foto do escritorColaboradoras da Liga

Expedição feminina mapeia o lixo plástico em Ilha Grande

Iniciativa faz parte do movimento Sailing for the Ocean da ONG Parley. Leia aqui o Diário de bordo da expedição de quatro dias


por Beatriz Mattiuzzo, oceanógrafa e fundadora da Marulho


Primeiro dia – Segunda-feira, 19 de outubro.

Juntamos mulheres incríveis. Se existia alguma dúvida sobre isso antes, não existe mais. Apesar de já ter "conhecido" todas elas nas diversas reuniões de planejamento que antecederam a expedição, e que no fim foram muito importantes pra gente se entrosar rapidinho, ao vivo é sempre outra coisa, né.

Ainda mais em tempos de pandemia, conhecer e poder trocar com (e tocar!) pessoas novas é muito especial.

A gente já sabia que não ia ter como existir isolamento de verdade entre 8 tripulantes dentro de um catamarã, por isso todas nós comprometemos a intensificar a quarentena nós 15 dias antes - e nos 15 dias que ainda virão após o fim da expedição.

E essa proximidade é essencial para tornar a Boa-Vida (nome do barco) nossa casa! Aliás, que barco! Nunca imaginaria experimentar um desses, e a Brasil Yatch Charter foi muito parceira!

Por conta da pandemia, nesta expedição não teremos contato com as comunidades locais, o foco será então a interação entre as próprias tripulantes, umas com as outras. Então vamos trabalhar como podemos ser humanas melhores e contribuir pro mundo, sem querer chegar em outras comunidades "oferecendo" coisas que talvez não seja o momento (peloamor, ngm aqui quer ser colonizadora branca – já vimos que isso aí não deu muito certo né). Eu, como moradora da ilha, valorizo muito essa decisão da nossa capitã (Juliana).

Com a cabeça já a mil, depois da correria de nos estabelecermos e de soltar as amarras, por volta das 13:30 saímos da Marina Verolme. Primeiro destino: Lagoa Azul.

Esse é um dos principais cartões postais da Ilha, um cantinho entre 2 ilhotas onde a areia branca ressalta a cor azul da água. Sempre há turistas por ali, de lanchas e botinhos particulares a grandes escunas. No caso, o objetivo era ver um desses locais mais movimentos e identificar o tipo de resíduos encontraríamos ali.

Felizmente, achamos bem pouca coisa. Felizmente não, na verdade foi por sorte. Dependendo da maré e do regime de chuvas, a região tem “marés de lixo” que daria pra passar dias limpando, como eu já mostrei aqui (https://www.instagram.com/p/B7gOX4chTHt/).

Na Lagoa Azul eu levei as meninas para um mergulho livre, de máscara e snorkel, pra vermos um pouco o que a superfície não mostra (seja a vida marinha, seja lixo). Falamos de coral-sol (tá cheio, maldita espécie invasora!) e foi bem especial ficar com a Thallita, nossa chef vegana, na água, porque ela não tem uma super aquacidade. Mas tava super tranquila e curtindo! A Luenne (arquiteta e bioconstrutora) também curtiu bastante, enquanto eu e a Evelin (surfista profissional e também oceanógrafa, como eu) apontávamos pra tudo e falamos de esponjas, corais, caranguejos-ermitão... Acho que a Sam (fotógrafa), a Ju (capitã e diretora da Parley Brasil) e a Maria (skipper) também curtiram, mas elas já tão bem mais acostumadas com o mar nas suas diversas formas.

A ideia do Sailing for the Oceans, esse movimento da Parley Brasil liderado pela Ju, é ser mesmo uma escola itinerante, juntando pessoas com experiências e vivências diferentes (com foco nas comunidades costeiras, quando possível), tudo em um ambiente flutuante que permita muita interação com o oceano. Acho que ficar num barco amplia muito essa vivência mesmo. E o balanço da um soniiiinho...



A gente a noite planejando nossa navegação do dia seguinte. Registro da @sammanhaes

Segundo dia – Terça-feira, 20 de outubro.

Que dia cheio! Surreal pensar que acordamos na Lagoa Azul e estamos indo dormir do outro lado da ilha, depois de fazermos uma "mini" limpeza - mais um reconhecimento pra ver o que temos que encarar e onde vamos focar amanhã.

Acordamos com o sol nascendo entre as 2 ilhas da Lagoa Azul as 5:00, e já levantamos âncora em direção à praia do Sul, uma reserva biológica que só podemos acessar graças ao INEA (órgão estadual regulador do meio ambiente no RJ) e ao Parque Estadual da Ilha Grande. Pouco vento e boas condições de mar, mas o swell fez quase todas darem uma enjoada. Eu não cheguei a ficar ruim de verdade, mas não tava 100%. Meu grande erro foi sair navegar na emoção, sem comer nada. Barriga vazia é receita pra dar ruim.

Acordamos também com a notícia de que nada mais de lavar louça ou tomar banho com água doce: o medidor marcava que a gente já tinha usado mais da metade do tanque de água – e tínhamos +3 dias pela frente. Até agora não entendemos como isso é possível, torcemos pra ser erro do medidor, mas não estamos arriscando. Louça e banho só no mar agora.

Mesmo morando na ilha, eu só tinha ido 1x pra Praia do Sul, em outra ação da Parley. A maioria dos badjecos (como chamam os moradores da Ilha Grande) nunca foi. No fim, essa é a ideia de uma reserva biológica né: ser um local intocado, que ajude a manter as condições naturais e acabe exportando vida para as adjacentes. De longe, parecia isso mesmo.

Mas não precisamos nem desembarcar pra ver a quantidade de lixo. Intocado é ilusão, num oceano que recebe 8 milhões de toneladas de resíduos plásticos por ano.

Fizemos um reconhecimento de área e retiramos alguns resíduos, analisando que tipo de lixo iríamos enfrentar amanhã, afinal a ação mesmo esta combinada com os guarda-parques só pra quarta-feira, já que precisamos de mãos extras e de um bote de apoio deles para levar o lixo coletado para o barco.

Bate aquele desânimo, aquela sensação de impotência perante o cenário. Então era hora de aprender a surfar como uma garota com a Evelin!

Com ajuda das mulheres, consegui pegar umas 4 ondas e ficar de pé em 2! Baita conquista pra mim, e valeu pra lembrar porque lutamos pelo mar, e vamos lutar sempre.



Muito estilo: Evelin surfando e rindo e eu surfando e gritando com um posicionamento ótimo hahahaha. Ambos registros foram pela Sam. Valeu a Stick Bee Parafina, Ecolmeia (proteção para pranchas) e Sweet Line Capas para pranchas por conseguir com que as meninas trouxessem as pranchas sem gerar lixo ou poluir o mar!

Entre limpeza e surf, as 14h já estávamos esgotadas e voltamos pro barco. A ideia era fazer um almojanta, mas o gás acabou. Fomos trocar, e o registro estava vazando. Mais um desafio: conseguir uma nova peça de registro no meio do mar. Pra evitar o balanço, fomos pra Parnaioca, uma praia do lado mais abrigada.

Lá, comendo um ceviche de cogumelos e outras delícias cruas e veganas que a Thallita inventou de ultima hora, como tabule, conseguimos descansar e pensar um pouco. Deu até pra resolver o problema de gás, com ajuda do seu Antônio, local da Parnaioca.

O fim do dia foi cozinhando peixinho-da-horta e fazendo oficina de cosméticos naturais, momento de desabafar sobre a nossa sensação de impotência perante o lixo na praia e renovar forçar para o dia seguinte.


Oficina de Cosméticos Naturais com receitinhas separadas pela Ju, nossa capitã.

Terceiro dia, quarta-feira, 21 de outubro

De novo, acordei com o sol nascendo. Tomei um café reforçado ainda na Parnaioca e as 7h já estávamos ancorando na Praia do Sul de novo. É o dia da limpeza. Desembarcamos muitos sacos reutilizáveis, luvas de algodão, máscaras e sapatos fechados e logo encontramos com 5 guarda-parques do INEA, que vieram preparados para nos ajudar. Ficamos das 8 ao meio-dia, um total de 11 mulheres e 2 homens e conseguimos tirar da praia uns 300kg.



Nossa tropa pronta para ação, com nossas mochilas estanque da Trechy, feitas de sacos de ração descartados! Iniciativa maravilhosa.

A logística da limpeza aqui não é fácil: é preciso colocar os resíduos em big bags e levá-los para o barco com o botinho de apoio do INEA. Voltaremos com tudo no barco, pra depois, amanhã, em Angra entregar pra coleta seletiva.

Mais difícil ainda é lidar com a impotência, e a sensação esmagadora de se saber que não é possível limpar tudo, mas que é importante limpar o possível.

É uma luta contínua entre o físico (pois o trabalho é exaustivo), e o mental (encontrar motivação e nunca, NUNCA, normalizar a poluição).



Lixo nas pedras? Tinha. Na restinga? Também. Luenne focou nas rochas, Edinha (guarda-parque do INEA, no fundo da foto) na restinga junto comigo, e a equipe ia se revezando como podia. Depois todas ajudamos a triar e separar o que poderia ser reciclado ou não, pra levar pra coleta seletiva.

Após terminarmos a limpeza, dentro do nosso possível – que não foi nem de longe retirar o lixo da praia toda, que tem +de 2km e MUITO lixo, comemos um almoço gostoso da Thallita e a tarde foi pra descansarmos e digerirmos tudo que tinha acontecido. Também rolou banho de rio (água doce, amém! Estávamos sem água doce no barco, lembra?) e daí deu pra lavar o cabelo direito.



Felicidade de quem lavou o cabelo na água doce e com o shampoo em barra e condicionar da @de.alma.lavada – um dos melhores que já usei!

Agora à noite, passamos horas trocando sobre como lidar com a impotência, a normalização da poluição, privilégios, como o plástico é só mais um problema, ativismo ambiental, colonialismo... Discutimos bastante sobre soluções animadoras que existem, como a Bioconstrução – a Luenne tem um projeto maneiraço que ela trás na @copovivo, começou com ela pegando copos descartados em festinhas para fazer placas para construção! Muito massa.

Mas também falamos sobre como não podemos focar só em destinar o plástico sem tentar acabar com ele na sua origem – se não, vira igual a reciclagem: a própria indústria se aproveita disso, colocando que tudo é reciclável, mas não viabiliza de fato essas solução e no fim muito pouca coisa é reciclADA de verdade.

O buraco, a gente sabe, é bem mais embaixo. É entender que o plástico uma vez produzido vai sempre ser plástico, só muda de forma (e quebra, e vira microplástico e tudo mais) e por isso precisamos tomar muito cuidado pra usá-lo. É por isso que a Parley tem uma estratégia pra isso, chamada A.I.R = Avoid (evitar), Intercept (interceptar) e Redesing (redesenhar), e isso tudo só funciona de verdade se ocorrer junto. No fim, é entender que a gente não precisa “se conectar” com a natureza, a gente É natureza e temos que lembrar disso constantemente.

Também é parar com síndrome de super-heroína (eu tenho muito, de achar que posso mudar o mundo) e trabalhar pra mudar nossa comunidade. Pensar global, fazer local. A Thallita, como mulher periférica, também me falou algo que me marcou muito: “Não adianta você estar num apartamento da Barra da Tijuca e querer ir fazer reciclagem na Rocinha. Seu prédio tem reciclagem? Uma horta comunitária? Uma composteira?”.

Sonhar é bom, utopias são importantes pra nos mover pra frente, mas temos que ser práticas e realistas. Fui dormir com vontade de voltar pra Praia de Matariz, onde moro, e mexer na horta comunitária (e olha que o trabalho lá não é nada fácil!).

Quarto dia, quinta-feira, 22 de outubro.

Escrevo agora a noite, a expedição já acabou. Deu até um aperto no coração aqui, mas a jornada continua!

Acordamos as 5 de novo pra dar tempo de visitar o mangue entre a Praia do Sul e a Praia do Leste. Mangues são ecossistemas tão incrivelmente importantes e foi ótimo ver um intocado e (quase) sem lixo (estávamos com medo de achar muito lixo ali, por isso fomos conferir). Mas as 10 já estávamos levantando âncora da região e partindo em direção a parte de dentro da ilha.


Mulheres tirando resíduos do mangue, mas a real é que não tinha muito (pelo menos não pra quem tinha visto o estado da praia antes).

A volta foi à vela (delícia de vento na cara!) mas antes de desembarcar, tínhamos mais uma missão: fazer uma limpeza de praia na Ilha de Cataguá, próxima à Marina Verolme, onde a gente ia devolver o Boa-Vida pra Brasil Yacht Charter - nãaaao, queria ficar com ele pra sempre :(



Eu e Luenne limpando a praia, que tinha muito menos lixo e de outro tipo: coisas deixadas por turistas. A cerca também era uma lembrança de que a humanidade não é muito boa, onde quem tem muita grana pode comprar uma ilha e cercar sua propriedade. MAS NUNCA A PRAIA VIU? A PRAIA É PÚBLICA! Lembrem-se disso. Daí nem dava vontade de limpar, mas sabemos que se não tirássemos dali, o lixo ia pra algum outro lugar...

De volta a marina, depois de várias manobras incríveis da nossa Capitã Ju e sua Skipper Maria, encontramos com o Joaquim da JN Reciclagem que veio buscar os resíduos e descarregar os 300kg nos Big Bags foi uma missão e tanto!


Descarregando o nosso orgânico, que foi compostado pela Ciclo Orgânico (uhul, valeu!) e o Joaquim da JN ajudando com os Big Bags de resíduos das limpezas.

E daí era hora de voltar pra casa, que de certa forma eu nunca saí, já que tenho o prazer de chamar a Ilha Grande de casa hoje em dia. Mas foi muito importante pra mim ter essa vivência diferente na ilha, e lembrar do porquê esse lugar é tão especial e porquê eu luto TANTO por ele. Chorei na nossa roda de conversa final e choro de novo escrevendo isso. A vivência aqui em Matariz, onde eu e o Lucas tocamos a Marulho e o projeto de reutilização de redes de pesca (www.fazermarulho.com.br) não tem sido fácil. Os desafios são muitos e estruturais – e apesar de no geral a gente dar um jeito, é bem triste ver a situação da comunidade como um todo, no tocante à locomoção, machismo estrutural, falta de internet, acesso aos estudos... são problemas estruturais que fazem a gente se sentir pequena.

Mas daí a gente saí, dá uma velejada, passa um tempo com mulheres incríveis e volta pra luta. Afinal, já dizia Oscar Wilde: O progresso não é senão a realização de utopias.

Uma utopia que vai virando realidade: O Sailing for the Oceans aconteceu de novo, obrigada Parley!

Texto por Beatriz Mattiuzzo, oceanógrafa e fundadora da Marulho https://www.instagram.com/marulhoeco/

Conheça a tripulação:

Juliana Poncioni – capitã da expedição e diretora da Parley Brasil https://www.instagram.com/ju_nas.mares/

Maria Dupuy – Skipper, natural da Argentina https://www.instagram.com/mar_masita/

Thallita Flôr – chef vegana, atriz e palhaça https://www.instagram.com/thallitaxavier/

Evelin Neves – surfista profissional e (quase) oceanógrafa https://www.instagram.com/evelinneves/

Luenne Coelho – arquiteta e bioconstrutora https://www.instagram.com/luenne.coelho , fundadora da @copovivo

Anna Verônica – fotografa e filmmaker com altas habilidades aquáticas https://www.instagram.com/annaveronicafr/

Sam Manhães – fotógrafa e a mais nova da expedição! https://www.instagram.com/sammanhaes/

Nosso agradecimento a quem tornou esse sonho realidade:

Brasil Yacht Charter, a empresa que cedeu o barco pra expedição a acontecer https://www.instagram.com/brasilyachtcharter/

INEA e Parque Estadual da Ilha Grande, que autorizaram a ação e apoiaram à expedição https://www.instagram.com/rj_inea/

Ciclo Orgânico, que cedeu baldinhos e compostou nosso orgânico https://www.instagram.com/cicloorganico/

Stick Bee Surf Wax, parafina de surf feita de cera de abelha (ao invés de petróleo), tornando nossa surfada lixo zero https://www.instagram.com/sbeesurf/

Ecolmeia e Sweet Lines, opções para embalar as pranchas sem gerar + lixo: https://www.instagram.com/ecolmeiasurf/ (capa de papelão) https://www.instagram.com/sweetlines_br/ (capa de pano)

Shampoo e Condicionador em barra da https://www.instagram.com/de.alma.lavada/

Supermercado A Colheita trazendo alimentos de produtores locais https://www.instagram.com/somosacolheita/

Açaí sem plástico! da https://www.instagram.com/almaz.brasil/

Bolsas de saco de ração, ESTANQUES! da Trechy https://www.instagram.com/trechy.etc/

e a Marulho, que levou escovas de dente de bambu e bastante redinhas de pesca reutilizadas pras mulheres todas, além de uma fruteira para a gente colocar os alimentos no barco 😊 https://www.instagram.com/marulhoeco/

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