Estamos encerrando mais uma temporada do turismo de observação de baleias jubarte aqui em Porto Seguro, Bahia e o sentimento de vazio cresce em nós. Depois de quase 4 meses indo para o mar, quase que diariamente e em alguns dias de manhã e a tarde, chega o momento em que navegamos e não as encontramos mais. A gente sabe que esse dia vai chegar, afinal de contas, é a minha 20ª temporada, mas a consciência que temos das coisas não anula nossos sentimentos. O mar parece que fica vazio, monótono, sem a presença delas, e a nossa vida também. Porém só temos que agradecer, batemos mais uma vez um recorde de número de saídas e de turistas e moradores que levamos para se emocionarem diante das belas Megapteras.
Iniciamos a temporada no dia 02 de Julho, dia da Independência da Bahia e estamos encerrando as saídas por volta do dia 20 de Outubro. A previsão é que seria uma temporada com grandes frequências de frentes frias, mas não foi isso o que aconteceu. Foram poucos os dias que tivemos que cancelar a saída devido a entrada de um vento sul. Com relação às baleias, tivemos um início de temporada incrível, com uma sequência de muitas saídas vendo comportamentos aéreos como o salto e batidas de partes do corpo na água. Em um determinado momento percebemos que estávamos ficando mal acostumados, vendo saltos todos os dias, aí já sabe, né? No dia que não vemos ficamos frustrados. Por mais que a gente saiba que temos a chance de ver ou não ver o salto, ele sempre alegra muito a galera a bordo.
Imagem: Acervo pessoal Thais Melo
Ao longo de Julho fomos percebendo que estava tranquilo de encontrar as baleias, mas não estavam como no ano passado, que a gente conseguia ver diversos grupos ao redor de onde estávamos fazendo a nossa observação. De qualquer maneira estava bem satisfatório, com bons encontros. No mês de Julho, principalmente na segunda quinzena, com o movimento grande na cidade devido ao recesso escolar, tivemos uma procura bastante significativa e com muitas crianças a bordo, que delícia! Algo que vem deixando a gente impressionado é que cada vez mais recebemos crianças pequenas, de 2 e 3 anos, que estão vendo baleias! Na primeira vez que embarquei uma mãe com seu filho de 2 anos no colo, ela me disse que estava lá por causa dele. Logo desconfiei, mas depois vi a criança apontando e falando “baieia, baieia”, sim, ela estava realmente vendo as baleias! Depois dessa mãe, várias outras apareceram com crianças dessa idade, muito bacana!
O mês de Julho foi marcado também pelas muitas saídas no período da tarde também. Iniciamos essas saídas no período vespertino ano passado, confesso que sempre tive resistência com isso, mas mudei minha opinião. Inicialmente eu considerava que não era viável pois nunca temos hora certa para chegar por não sabermos onde vamos encontrar as baleias e quanto temos que navegar. Sempre disse em meu discurso que não podemos marcar compromisso para depois do passeio das baleias por conta disso. O fato é que eu, Thais, sou uma pessoa que tenho dificuldades com mudanças, gosto da mesmice. Mas preciso entender que tudo muda, e o fato da população das baleias estar aumentando significativamente ao longo dos anos, também vai trazer mudanças para a nossa atividade. Resumindo, com o aumento do número de baleias, não precisamos mais procurar tanto, como era antigamente. Hoje em dia, e de uns anos para cá, tem sido mais fácil encontrá-las e às vezes elas estão mais próximas da costa também, então o passeio fica mais curto.
A saída da tarde é mágica! Primeiro porque saímos com o sol nas costas, ou seja, navegamos para o alto mar, rumo ao leste, enquanto o sol está para o oeste. De manhã a gente sai com ele batendo na nossa cara. Na medida em que vamos ganhando distância de terra, o sol vai baixando e deixando tudo mais bonito com a luz da tarde. Quando a baleia vem borrifar é o auge, o reflexo do sol no borrifo da baleia forma um arco-íris lindo. Eu chamei isso de “aurora borrifal”, como se fosse uma aurora boreal mas no borrifo da baleia. Esse visual só temos a tarde. Quando estamos voltando o sol está se preparando para se pôr, e o céu fica muito bonito, ver tudo isso ainda do mar é gratificante!
É claro que nem tudo são flores, também temos saídas que não dão certo, mas são bem poucas. Teve uns dias que depois que saímos a barra o tempo fechou completamente e o vento apertou, algo que não estava na previsão do tempo. Mas quando consideramos que não tem condições de continuar temos que saber recuar, e foi isso que fizemos. Não é fácil lidar com a frustração das pessoas que estão lá querendo ver baleias, mas por outro lado sabemos que quem tem a experiência de navegar e achar baleia, somos nós. E a vontade não pode sobressair a possibilidade. O respeito ao mar em primeiro lugar, saber nossos limites é fundamental para trabalharmos em segurança. Coragem não é ir para o mar com ele agitado, coragem é cancelar uma saída com barco cheio. Mais uma vez temos que a consciência não anula o sentimento, neste caso, a frustração. E está tudo bem!
Imagem: Acervo pessoal Thais Melo
Tudo isso faz parte da vida de quem trabalha na natureza, no mar, com baleias e seres humanos a bordo em busca de observá-las. A gente busca fazer um bom trabalho, dentro daquilo que está ao nosso alcance, pois sabemos que estamos lidando com expectativas, com sonhos, com sentimentos. Mas conscientes de que lidamos com a natureza, como ela é. E que não queremos, nem podemos dominá-la, estamos lá apenas para respeitá-la e apreciá-la. Imagina você sair para ir trabalhar todos os dias sem saber o que vai acontecer, e que cada dia é diferente do outro. Isso demanda uma habilidade enorme de lidar com as incertezas e aceitar o que vier. Mais que isso, é conseguir transmitir isso para os clientes para tentar fazer com que compreendam a característica deste tipo de atividade. Em um mundo de pessoas imediatistas e que acham que dominam a natureza e que querem tudo ao seu modo, isso é um desafio. Mas grande parte do nosso público chega já com esta compreensão.
A gente que trabalha com isso há tanto tempo, às vezes, tem dificuldade de compreender algumas coisas, imagina os turistas. Tem vários mistérios em nossas idas ao mar, tem dia de mar liso que a baleia quase não aparece mas canta muito, tem dia delas estarem bem perto e no outro momento bem longe, tem dia que a baleia “some”, tem dia agitado de baleia agitada. A gente fica querendo explicar e entender tudo, quando o melhor que temos a fazer é aceitar, admirar e agradecer. O fato é que estamos presenciando uma transformação com relação à presença das baleias jubarte no litoral brasileiro. Há dez anos atrás elas eram exclusividade da Bahia, agora estão em litorais de vários outros estados, em períodos diferentes ou similares ao baiano. Através da fotoidentificação, trabalho realizado em parceria com a bióloga Cecília Facchola, temos visto e fotografado baleias que foram registradas em outros lugares da Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro. Além de baleias na área de alimentação, a Antártica, e também de outras populações como da África do Sul e do Equador. Esse ano demos um match com uma baleia que foi fotografada em 1994 em Abrolhos, 30 anos atrás!
Outro aspecto interessante da atividade é com relação às pessoas que nos procuram, temos clientes antigos, que já fizeram o passeio com a gente em outros anos. Esse ano recebemos uma cliente que foi ver baleia com a gente em 2008, nosso primeiro ano de operação em Porto Seguro. Tem também pessoas que vêm e fazem várias saídas na mesma semana, em busca de diferentes experiências. É muito bacana ver a reação das pessoas diante de uma baleia, em todas as saídas eu converso com cada pessoa a bordo para saber como foi a experiência, e eu me emociono ouvindo o relato delas. Esse é um dos grandes motivos pelos quais eu sou muito feliz com o que eu faço e espero ter saúde e energia para fazer isso por muito mais tempo na minha vida.
Referências | Para saber mais
Sobre a autora:
Thais Melo é Bióloga Marinha e Carioca residente no Sul da Bahia desde 2001, é pioneira no Turismo de Observação de Baleias em Cumuruxatiba, onde iniciou o trabalho do Baleia a Vista em 2002 e em Porto Seguro em 2008, junto com a Cia do Mar. Atuou em outras atividades ecoturísticas na região. Também vem atuando na área da educação e sensibilização ambiental. Ao longo desses anos trabalhou como Gerente da Área Social (2007) e como Coordenadora de Educação do Projeto Coral Vivo (2016-2023). Neste Projeto escreveu o Guia do Naturalista do Sul da Bahia, livro infanto-juvenil sobre os ecossistemas litorâneos do Sul da Bahia.
Esse texto foi produzido em parceria com o projeto Ressoa Oceano.
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