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Cúpula da Amazônia: E o Oceano com isso?

Por Debora Camacho Luz e Maria Luiza Abieri


Agosto começou com muita expectativa para quem acompanha os temas voltados à Amazônia. Nos dias 08 e 09 deste mês aconteceu, em Belém (PA), a Cúpula da Amazônia. O evento reuniu chefes de estado dos 8 países integrantes da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA): Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, para discutir medidas a serem tomadas para a conservação e desenvolvimento sustentável da região. A partir dessas reuniões, foi elaborado um documento, chamado de Declaração de Belém, que estabelece metas e objetivos a serem alcançados. Por aqui a gente acompanhou a Cúpula na expectativa das metas e objetivos que tratassem da conservação da porção costeira da Amazônia.


Quando pensamos na Amazônia, rapidamente nos lembramos da maior floresta do mundo, com árvores frondosas e que se estende por cerca de 6,7 milhões de km². No entanto, é comum esquecermos de olhar para os 2.250 km de costa brasileira que pertencem à região, abrangendo 35% do nosso litoral. No bioma Amazônia, 4 bacias hidrográficas drenam uma área de mais de 8 milhões de km², desaguando através do Rio Amazonas cerca de 70 piscinas olímpicas de água doce, sedimentos, partículas e matéria orgânica por segundo, ou um volume anual de 6,3 trilhões m³/ano diretamente no Atlântico Sul. Isto é 16% de toda a água doce despejada no Oceano1,2.


Única, diversa e ainda pouco conhecida, a costa da Amazônia abriga o maior manguezal contínuo do mundo! Com aproximadamente 7.423,60 km², essa faixa representa mais de 50% dos manguezais do Brasil. Em 2008, um estudo mostrou um aumento dessa faixa de manguezal de cerca de 718,6 km² em 12 anos, trazendo à luz a forte dinâmica desse habitat que se expande e se retrai3. Os manguezais são ecossistemas essenciais para a regulação do clima, proteção da linha de costa e combate às mudanças climáticas. Além disso, o manguezal amazônico ou magal (como é chamado pelas comunidades tradicionais do norte) é berçário de inúmeras espécies e fonte de sustento para centenas de mulheres marisqueiras. Um texto publicado no Blog da Liga, pela mangueóloga Bruna Martins, em novembro de 2022, fala mais sobre a estreita relação das mulheres do norte com esse grande ecossistema, confira aqui.


Para trazer um panorama de como o tema Amazônia Costeira foi tratado durante as negociações da Cúpula, convidamos a Cientista Social Mariana Trindade, que participou das atividades pré-cúpula que ocorreram, também em Belém, entre os dias 4 e 6 de agosto. Os Diálogos Amazônicos, como foram chamadas as cerca de 300 atividades que ocorreram nestes dias, reuniram diversos atores, entidades e organizações da sociedade civil para debater pontos importantes a serem levados por seis representantes aos governantes para a elaboração da Declaração de Belém (os seis relatórios podem ser acessados aqui).


Mariana Trindade é analista de política e governança da Rare Brasil, associação que atua desenvolvendo o senso de pertencimento e capacitando comunidades para a proteção do meio ambiente. No Brasil, a Rare desenvolve o programa “Peixe para sempre” em comunidades pesqueiras tradicionais no norte do país, inclusive no estado do Pará, onde Mariana Trindade atua em comunidades dentro das Reservas Extrativistas (RESEX). A cientista social, conta que seu interesse pela ciência política e ambiental vem desde a graduação. Mestre em Ciências Políticas e doutoranda em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido na Universidade Federal do Pará (UFPA), ela explica que para desenvolver seu trabalho junto às lideranças e gestão pública dos municípios, aplica muito da “bagagem” adquirida na academia. Estudando as relações de interesse, notou movimentação do mercado nas relações de advocacy, defesa de interesses na política, e como as comunidades poderiam fazer para defender seus interesses no âmbito político.


A equipe da Rare contou com a participação tanto de colaboradores quanto de representantes de seis municípios costeiros que fazem parte da Rede Coastal 500. Na preparação para os Diálogos, Mariana, junto à equipe, procurou atividades relacionadas à Amazônia Costeira, pesca artesanal e unidades de conservação costeiras, encontrando poucos eventos e relatou “sentir falta” da temática. Essa também foi uma das grandes críticas ao evento e seus desdobramentos. Tanto na Declaração de Belém quanto nos relatórios dos Diálogos, a temática Amazônia Costeira não foi abordada. Na mesa Oceano, Amazônia e Clima proposta pela prefeitura de Barcarena (PA) e Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, os representantes da Rede Coastal 500 tiveram a oportunidade de debater específica e ativamente sobre a zona costeira e divulgar projetos que a relacionassem com a educação básica nas escolas. Alterações recentes na legislação estadual paraense trazem a inserção transversal das temáticas de meio ambiente e sustentabilidade ao currículo escolar. Mariana ressalta que a Rede Coastal 500 tem trabalhado com as secretarias de meio ambiente e de educação, a fim de trazer a territorialização ao currículo, abordando tópicos como ecossistemas costeiros, cadeia da pesca artesanal, manguezal, entre outros.


Durante os Diálogos Amazônicos, Mariana percebeu maior abertura para discussões e participação da sociedade civil, com forte atuação de grupos indígenas e quilombolas. Porém, notou falta de organização das comunidades de povos extrativistas costeiros, que contou apenas com manifestações pontuais como a presença da Comissão Pró RESEX ou como o Observatório do Marajó e a Mandí, em atividades dos Diálogos sobre a exploração de petróleo na foz do Amazonas.


E falando na exploração de petróleo, o tema foi alvo de muita expectativa por parte dos ambientalistas que acompanharam os desdobramentos da Cúpula. No entanto, não recebeu a devida importância durante os dois dias de negociações e metas claras para impedir a atividade não foram previstas na Declaração de Belém. Perguntamos para a Mariana se e como as comunidades com as quais ela tem contato debatem a questão:


Após o desdobramento da decisão do IBAMA (primeira negativa do IBAMA à Petrobras, em junho), a agenda em torno dessa questão da exploração esfriou um pouco. Precisamos avançar no sentido de contribuir para explicitar mais o que esses projetos podem trazer, sendo prejudiciais não apenas para o ecossistema em si mas também para a dinâmica social das comunidades. Falta mais atenção do poder público municipal. É uma pauta para os municípios costeiros que não está sendo debatida como deveria, pelas perspectivas que já foram trazidas pela ciência.”


A Cúpula não deixou o legado que a gente esperava. O bioma Amazônia, incluindo sua porção costeira, precisa com urgência de ações concretas, unificadas e eficientes para encerrar sua exploração insustentável. Para Mariana, o ponto alto da Cúpula e dos eventos que precederam as negociações foi perceber o potencial do trabalho em rede e de como a Amazônia como um todo precisa ampliar cada vez mais essas redes, com a participação de outras organizações da sociedade civil e do poder público de diferentes níveis federativos. O trabalho é complexo, mas com a junção de esforços é possível mudar.


Referências | Para saber mais:

Sobre a entrevistada:


Mariana Trindade é Cientista Social, Mestre em Ciência Política e Doutoranda em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido (NAEA/UFPA). Atua como Analista de Política e Governança pela Associação Rare Brasil na zona costeira paraense. Tem experiência em articulação política com governos subnacionais e comunidades extrativistas. Interesse em temáticas relacionadas a advocacy, análise e implementação de políticas públicas ambientais.




Sobre as autoras:

Débora Camacho Luz é Bióloga, formada pela Universidade Federal de Rio Grande (FURG), membro da Liga das Mulheres Pelo Oceano e bolsista CNPq DTI na Rede Ressoa Oceano. A Ressoa Oceano é uma rede formada pela Liga das Mulheres Pelo Oceano, o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da UNICAMP (LabJor), a Cátedra da Unesco pela Sustentabilidade do Oceano e a Ilha do Conhecimento. Essa rede tem como objetivo promover a ciência e a cultura oceânica para além do litoral e centros de pesquisa, conectando cientistas e jornalistas para a abordagem do tema nos meios de comunicação e investindo em projetos e iniciativas de comunicação sobre o oceano.



Maria Luiza Abieri é Bióloga e Mestre em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente, atua como colaboradora do Bate-Papo com Netuno e bolsista CNPq na Rede Ressoa Oceano. A inserção do Bate-Papo com Netuno à Ressoa Oceano amplia ainda mais a rede, promovendo a divulgação científica e a visibilidade das ciências do mar e cultura oceânica através de informações científicas de qualidade, baseadas em uma linguagem acessível e lúdica.





Foto de capa: Enrico Marone




Esse texto foi produzido em parceria com o projeto Ressoa Oceano.

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