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Como ajudar a parar o tsunami plástico

Por:

Gabriella Rocha Pegorin

Nutricionista CRN-3 58758

Mestre em Ciências


Plástico no mundo

Nós precisamos urgentemente de uma redução drástica no uso do plástico de uso único e evitável. O plástico é um resíduo mal gerido que pode exercer um papel danoso para a manutenção da vida, como fornecer um terreno fértil para mosquitos transmissores de doenças ou bloqueando o escoamento da água, causando inundações e propagação de doenças. A falta de gestão adequada dos resíduos levou ao acúmulo de mais de 250.000 toneladas de pedaços de plástico flutuando nos oceanos. É estimado que os países costeiros lançaram 4,8 a 12,7 milhões de toneladas métricas de plástico nos oceanos em 2010.

Os plásticos são utilizados amplamente nos setores da construção civil, setor alimentício, comércio de produtos de varejo e atacado, automobilístico e setor de bebidas. Contudo, o aumento da demanda por plásticos e a utilização generalizada desses materiais não foi acompanhada por sistemas de gestão e processamento de resíduos plásticos. Em 2020, foram recolhidas quase 30 milhões de toneladas de resíduos plásticos nos países europeus, dos quais apenas 34,6% seguiram a rota da reciclagem.

Infelizmente, um percentual ainda muito elevado de resíduos plásticos pós-consumo é enviado para aterros ou mal processado, contribuindo para a poluição dos ecossistemas. Resíduos mal geridos poderão eventualmente entrar no oceano por vias navegáveis ​​interiores, saídas de águas residuais e transporte por vento ou marés.

Persistir no mesmo sistema de práticas de produção e gestão de resíduos deve introduzir cerca de 12 mil milhões de toneladas de resíduos plásticos no ambiente natural até 2050 de acordo com uma projeção publicada na Science em 2015 (1).

Os resíduos plásticos persistem no ambiente natural devido à sua lenta degradação. Esses poluentes ambientais representam graves ameaças a diferentes espécies animais, considerando o desenvolvimento de armadilhas físicas, barreiras à ingestão de alimentos ou emaranhamento que pode causar a morte.


Tipos de poluentes plásticos: microplástico e nanoplástico

Os poluentes plásticos que entram no ecossistema em pequenos pedaços, normalmente com menos de 5 mm de tamanho, são chamados microplásticos (MPs) e são geralmente produzidos industrialmente. Nesses casos, onde partículas de plástico deste tamanho preciso são produzidas intencionalmente, são chamados de MPs primários. As pequenas partículas geradas por processos de degradação, como termo-oxidação ou quebra mecânica de peças plásticas maiores, são chamadas de MPs secundários. Além disso, os resíduos plásticos podem apresentar-se como partículas de menos de 1 μm (1 micrômetro), chamadas nanoplásticos (NPs). MPs e NPs são compostos quimicamente inertes capazes de penetrar e persistir indefinidamente em ambientes terrestres e marinhos e em águas doces. Eles foram recentemente relatados como compostos perigosos para a saúde devido à sua capacidade de atuar como vetores de contaminantes químicos, como metais pesados, bem como vetores de patógenos.

Todas as espécies marinhas, desde plâncton e moluscos até aves, tartarugas e mamíferos, enfrentam riscos de envenenamento, distúrbios comportamentais, fome e asfixia ao ingerirem plástico, independente do tamanho. Corais, mangues e gramas marinhas também podem ser sufocados por detritos plásticos que os impedem de receber oxigênio e luz.


Impacto dos resíduos plásticos na nossa saúde

O corpo humano também é vulnerável à contaminação por resíduos plásticos. Os MPs e NPs presentes nas roupas, espalhados pelo ar, nos cosméticos e nos alimentos podem entrar em contato com o corpo humano por ingestão, inalação ou contato com a pele, assim como apresenta o esquema abaixo retirado do estudo publicado na revista Science of The Total Environment em 2020.

Estudos in vitro e em animais experimentais demonstraram que a inalação de MPs e NPs podem gerar toxicidade nas células, produção de espécies reativas de oxigênio (EROs - moléculas instáveis e reativas que podem contribuir para o desenvolvimento de doenças como o câncer), inflamação pulmonar grave e agravamento de insuficiência respiratória. Independentemente das diferentes vias pelas quais os MPs e NPs possam acessar o corpo humano, eles alcançam órgãos distantes por meio do sistema circulatório. O sistema cardiovascular é um dos principais alvos em termos de acumulação, pois é a principal via de distribuição de MPs e NPs.

Há estudos que demonstram a presença de microplásticos também presentes na placenta e no pulmão.

Microplástico encontrado no pulmão através de espectroscopia (Jenner e colaboradores, 2022).


Microplásticos encontrados por um estudo que analisou 6 placentas humanas (Ragusa e colaboradores, 2021).


No entanto, o conhecimento sobre os efeitos da exposição direta a microplásticos na saúde humana ainda é limitada, levando a incertezas que não devem traduzir-se em alarmismo, mesmo quando se aplica o princípio da precaução. Com o aumento previsto desses materiais sintéticos em nosso ambiente, mais estudos são necessários para compreender completamente o risco dos microplásticos para a saúde humana, exigindo conhecimento sobre exposição humana, patogênese e efeitos.


A campanha: Pare o Tsunami Plástico

A campanha Pare o Tsunami Plástico é organizada pela Oceana e mais de 60 organizações da sociedade civil - entre elas, a Liga, foi lançada oficialmente no dia 15 de agosto de 2023, no Salão Nobre da Câmara dos Deputados. A campanha e a pauta foram acolhidas com urgência tanto pelas autoridades dos poderes Executivo e Legislativo quanto por representantes do terceiro setor. 

A campanha chama atenção para o Projeto de Lei 2524/2022, que propõe uma Economia Circular do Plástico, indicando que todo material produzido deverá ser reutilizável, reciclável ou compostável. Dessa forma, legalmente, todo plástico voltará ao sistema para passar por tratamento, reduzindo os riscos de que os resíduos cheguem na natureza e nos oceanos e ameacem a vida marinha e a vida humana.

Ações individuais e de pequenos coletivos são importantes para mitigar os efeitos da poluição por resíduos plásticos no mundo. O desenvolvimento de políticas públicas são fundamentais para apresentar diretrizes para pequenas e grandes empresas que apresentam maior potencial de geração de resíduos.


Evite o plástico de uso único e o que não pode ser reciclado

Os plásticos de uso único são itens como canudos de plástico, balões, hastes de cotonetes, utensílios como garfo, faca, copo e colher descartáveis e sacola plástica.


Recicláveis:

  • Todos os tipos de embalagens de xampu, detergentes, garrafas pet e outros produtos domésticos;

  • Tampas plásticas de recipientes e outros materiais;

  • Embalagens de plástico de ovos, frutas e legumes;

  • Utensílios plásticos, como canetas esferográficas, escovas de dentes, baldes, artigos de cozinha, copos, etc;

  • Sacolas;

  • Isopor.

Não recicláveis:

  • Plásticos termofixos, usados na indústria eletro-eletrônica e na produção de alguns computadores, telefones e eletrodomésticos;

  • Embalagens plásticas metalizadas, como as de bolachas e salgadinhos;

  • Plástico tipo celofane;

  • Acrílico;

  • Cabo de panela;

  • Espuma;

  • Fraldas descartáveis e absorventes.


Como você pode reduzir impacto através dos hábitos de consumo alimentar

Evitar alimentos ultraprocessados é uma maneira de evitar plástico de uso único na sua alimentação. Parece muito prático abrir uma barrinha de proteína ou de cereal, consumir um iogurte proteico ou um suco em embalagem individual, pegar um pacote de salgadinho no mercado para comer no caminho, escolher um macarrão instantâneo como jantar, etc. Mas além de não contribuir com a sua saúde, também não contribui com o meio ambiente.

Esses alimentos já apresentam uma cadeia produtiva problemática que requer muitos recursos naturais como a água, além de áreas de plantio e produção que poderiam estar sendo destinadas à preservação ambiental.

A versão mais atual do Guia Alimentar para a população brasileira (2014) sugere que os alimentos ultraprocessados sejam evitados como um dos 10 passos para uma alimentação saudável.


Como identificar os alimentos ultraprocessados

As técnicas de processamento utilizadas na fabricação de alimentos ultraprocessados incluem: tecnologias exclusivamente industriais, como a extrusão da farinha de milho para fazer salgadinhos “de pacote”, versões industriais de técnicas culinárias, como o pré-processamento com fritura ou cozimento; e o emprego de embalagens sofisticadas em vários tamanhos e apropriadas para estocagem do produto ou para consumo imediato sem necessidade de utensílios domésticos ou algum tipo de pré-preparo.

Alimentos ultraprocessados incluem vários tipos de guloseimas, bebidas adoçadas com açúcar ou adoçantes artificiais, pós para refrescos, embutidos e outros produtos derivados de carne e gordura animal, produtos congelados prontos para aquecer, produtos desidratados (como misturas para bolo, sopas em pó, “macarrão” instantâneo e “tempero“ pronto), vários tipos de salgadinhos “de pacote”, cereais matinais, barras de cereal, bebidas energéticas, entre muitos outros. Pães e produtos panificados tornam-se alimentos ultraprocessados quando, além da farinha de trigo, leveduras, água e sal, seus ingredientes incluem substâncias como gordura vegetal hidrogenada, açúcar, amido, soro de leite, emulsificantes e outros aditivos.

Um número elevado de ingredientes (frequentemente cinco ou mais) e, sobretudo, a presença de ingredientes com nomes pouco familiares e não usados em preparações culinárias (gordura vegetal hidrogenada, óleos interesterificados, xarope de frutose, isolados proteicos, agentes de massa, espessantes, emulsificantes, corantes, aromatizantes, realçadores de sabor e vários outros tipos de aditivos) indicam que o produto pertence à categoria de alimentos ultraprocessados.


Impacto dos alimentos ultraprocessados no meio ambiente e na cultura

Impacto na cultura: marcas, embalagens, rótulos e conteúdo de alimentos ultraprocessados tendem a ser idênticos em todo o mundo. As marcas mais conhecidas são promovidas por grandes campanhas publicitárias frequentemente muito agressivas, incluindo o lançamento de centenas de produtos que sugerem falso sentido de diversidade. Diante dessas campanhas, culturas alimentares genuínas passam a ser vistas como desinteressantes, especialmente pelos jovens. A consequência é a promoção do desejo de consumir mais e mais para que as pessoas tenham a sensação de pertencer a uma cultura moderna e superior.

Impacto no ambiente: a manufatura, distribuição e comercialização de alimentos ultraprocessados são potencialmente danosas para o meio ambiente e ameaçam a sustentabilidade do planeta. Isso fica simbolicamente demonstrado nas pilhas de embalagens desses produtos descartadas dia após dia, muitas não biodegradáveis, que desfiguram a paisagem e requerem o uso crescente de novos espaços e tecnologias de gestão de resíduos. A demanda por açúcar, óleos vegetais e outras matérias primas comuns na fabricação de alimentos ultraprocessados estimula monoculturas dependentes de agrotóxicos, fertilizantes químicos e água, em detrimento da diversificação da agricultura. A sequência de processos envolvidos com a manufatura, distribuição e comercialização desses produtos envolve longos percursos de transporte e, portanto, grande gasto de energia e emissão de poluentes. A consequência comum é a degradação e a poluição do ambiente, a redução da biodiversidade e o comprometimento de reservas de água, de energia e de muitos outros recursos naturais.


Você pode trocar um alimento ultraprocessado por uma preparação culinária ou um alimento in natura ou minimamente processado:

  • Molho de tomate industrializado na embalagem plástica ou vidro com rótulo de plástico metalizado pelo molho de tomate natural feito à base de tomate, temperos naturais e especiarias;

  • Salgadinhos de pacote por chips de batata ou grão-de-bico feitos em casa.

  • Iogurtes proteicos em embalagens individuais por iogurte natural feito a partir de um litro de leite e um pote de iogurte natural e misture sua proteína em pó (ou não);

  • Barras de proteína ou de cereais por lanches contendo frutas, castanhas e sementes ou preparações culinárias como panquecas proteicas à base de ovo, aveia e fruta;

  • Refrigerantes por sucos naturais feitos em casa ou água saborizada;

  • Produtos de panificação em embalagens plásticas como bisnagas e pão de forma por pães caseiros ou de padaria que são comercializados em embalagens de papel.


Mensagem final

É fundamental cobrar o desenvolvimento de legislação e diretrizes que propõem a economia circular de plástico. Sem políticas públicas e ações coletivas dificilmente nossas pequenas ações individuais fariam efeito.

Na perspectiva individual, uma maneira de ajudar a reduzir os resíduos plásticos é evitar o plástico de uso único, desenvolver habilidades culinárias e apostar em preparações saudáveis com alimentos in natura e minimamente processados como frutas, ovos, hortaliças, leguminosas, cereais, etc, que não sejam comercializados em embalagens plásticas.

Aposte em mercados à granel e feiras livres, esses comércios apresentam grandes variedades de alimentos saudáveis e você pode levar seus recipientes próprios e retornáveis para adquirir os alimentos.

Texto escrito por Gabriella Rocha Pegorin

Nutricionista (CRN-3 58758) e Mestre em Ciências


Referências

  1. Jambeck, J. R., Geyer, R., Wilcox, C., Siegler, T. R., Perryman, M., Andrady, A., … Law, K. L. (2015). Plastic waste inputs from land into the ocean. Science, 347(6223), 768–771. doi:10.1126/science.1260352

  2. Persiani E, Cecchettini A, Ceccherini E, Gisone I, Morales MA, Vozzi F. Microplastics: A Matter of the Heart (and Vascular System). Biomedicines. 2023;11(2):264. Published 2023 Jan 18. doi:10.3390/biomedicines11020264

  3. Prata, J. C., da Costa, J. P., Lopes, I., Duarte, A. C., & Rocha-Santos, T. (2019). Environmental exposure to microplastics: an overview on possible human health effects. Science of The Total Environment, 134455. doi:10.1016/j.scitotenv.2019.134

  4. https://plasticseurope.org/

  5. Joana Correia Prata, João P. da Costa, Isabel Lopes, Armando C. Duarte, Teresa Rocha-Santos, Environmental exposure to microplastics: An overview on possible human health effects, Science of The Total Environment, Volume 702, 2020, 134455, ISSN 0048-9697, https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2019.134455.

  6. Lauren C. Jenner, Jeanette M. Rotchell, Robert T. Bennett, Michael Cowen, Vasileios Tentzeris, Laura R. Sadofsky, Detection of microplastics in human lung tissue using μFTIR spectroscopy, Science of The Total Environment, Volume 831, 2022, 154907, ISSN 0048-9697, https://doi.org/10.1016/j.scitotenv.2022.154907.

  7. Antonio Ragusa, Alessandro Svelato, Criselda Santacroce, Piera Catalano, Valentina Notarstefano, Oliana Carnevali, Fabrizio Papa, Mauro Ciro Antonio Rongioletti, Federico Baiocco, Simonetta Draghi, Elisabetta D'Amore, Denise Rinaldo, Maria Matta, Elisabetta Giorgini, Plasticenta: First evidence of microplastics in human placenta, Environment International, Volume 146, 2021, 106274, ISSN 0160-4120, https://doi.org/10.1016/j.envint.2020.106274.

  8. Guia Alimentar para a População Brasileira Brasília: MS; 2014. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Política Nacional de Alimentação e Nutrição Brasília: MS; 2013.

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