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Foto do escritorDébora Camacho Luz

Comidas Azuis: Como o oceano pode contribuir para a segurança alimentar no Brasil

Você já ouviu falar de Segurança Alimentar? O termo define um direito de todos: acesso a alimentos de qualidade (e quando falamos em qualidade incluímos não só a inocuidade, mas também o valor nutricional),  em quantidades suficientes e assegurando-se que esse direito não impeça o acesso a outros, como, por exemplo, um meio ambiente saudável. Promover a segurança alimentar é, inclusive, um dos desafios do objetivo 2 (Erradicação da fome e agricultura sustentável) dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS). A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) determinou algumas metas para combater a insegurança alimentar, entre as principais estão: Erradicar a pobreza e promover o progresso social e econômico e gerir e utilizar de forma sustentável os recursos naturais.

E o que isso tem a ver com o oceano? Segundo a ONG Oceana, os Alimentos Azuis (blue foods) são fonte de sobrevivência para cerca de 7,5% da população mundial. Por definição, Alimentos Azuis são todos os alimentos de origem animal ou vegetal, provenientes do ambiente aquático, seja ele salgado ou doce. O pescado é fonte de 15% da proteína animal consumida no mundo. No Brasil, o setor de recursos vivos (que inclui a captura de pescado e a aquicultura; o processamento e preservação de produtos pesqueiros; e a distribuição de pescado) representa apenas 3,75% da Economia do Mar. Há, no entanto, um potencial de crescimento importante nesse setor. 

Para ajudar a entender os desafios que o Brasil enfrenta em melhorar a gestão dos recursos pesqueiros e torná-lo uma ferramenta eficiente para a erradicação da pobreza e da insegurança alimentar no país, conversei com a bióloga, fundadora e consultora sobre pesca sustentável na empresa Paiche, idealizadora da Aliança Brasileira pela Pesca Sustentável e integrante da Conservation Alliance for Seafood Solutions , Cintia Miyaji. Cintia possui uma visão ampla e realista sobre a atividade pesqueira no país e no mundo.  No começo da nossa conversa, ao ser perguntada se há de fato uma forma de pesca sustentável, ela lembra que não há atividade humana sem impacto no ambiente e por tanto, não devemos esperar que a pesca seja diferente. No entanto, a pesca é uma das atividades humanas mais ancestrais e mantém em sua natureza o ato da caça.



Pescador artesanal, Cabo Frio-RJ (Foto: Débora Luz)


Para Cintia e outros especialistas, o maior desafio do Brasil no setor, como parte de uma cadeia econômica sustentável, é a ausência de dados e de rastreabilidade. Apesar de haver uma demanda, por parte do consumidor, não há hoje como certificar a procedência do pescado brasileiro. Este fator é consequência da falta de políticas públicas efetivas para o setor e da ausência de indústrias capazes de realizar o processamento do pescado. Para entender melhor sobre os problemas e as soluções possíveis dessa atividade, precisamos entender onde e como ela acontece. Já aproveito para indicar aqui o episódio 3, do podcast “O Mar Não Está Para Peixe”, do repórter Herton Escobar e produzido pelo Jornal da USP.

Quando falamos em pesca no Brasil, precisamos distinguir duas modalidades: a pesca artesanal, que se caracteriza por ser de base familiar, em embarcações pequenas (como canoas e jangadas), realizada perto da costa e por curtos períodos. Essa modalidade representou cerca de 55% da produção pesqueira no país em 2020. Já a pesca industrial, que representou os outros 45%, é caracterizada pelo uso de embarcações maiores, realizadas por longos períodos e em locais distantes da costa. No entanto, Cintia ressalta que mesmo a pesca nomeada como industrial no Brasil, é realizada em barcos de portes pequenos e médios quando comparado com as grandes potências mundiais da pesca, e devemos ter cuidado ao comparar ambos. 

Apesar de uma produção significativa da pesca artesanal, o valor agregado ao pescado neste método é muito pequeno. Segundo a pesquisadora, a falta de escala, sazonalidade e garantia de boa conservação do produto, impede que o mesmo chegue no mercado industrial, reduzindo o potencial de comercialização e geração de renda pelo produto nacional. Hoje uma falta de articulação entre as comunidades tradicionais pesqueiras é o maior desafio para potencializar a economia da pesca tradicional. Como alternativa, deve-se considerar o estabelecimento de redes entre comunidades próximas, com a construção de cooperativas capazes de aumentar a escala e reduzir os custos de produção. Para que a pesca desempenhe um papel significativo na segurança alimentar e na erradicação da pobreza no Brasil, é preciso transcender a pesca de subsistência e fomentar a criação de indústrias de base comunitária, alinhadas com a ciência e a sustentabilidade. 


Limpeza do camarão por mulheres da comunidade Pontal da Barra na Lagoa dos Patos (Pelotas-RS). (Foto: Débora Luz)


Outro recorte importante que a gestão pesqueira e a formulação de políticas públicas efetivas no setor devem impactar, é sobre as mulheres. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), apenas 21% das empregadas no setor da pesca em 2020 eram mulheres. No nosso país, a pesca de base artesanal ainda gira em torno de alguns tabus quando falamos em gênero. A fala de Cintia corrobora com dados e com o que outros especialistas têm apontado, “A mulher, que acumula funções como o cuidado e a gestão do lar e o beneficiamento do produto pescado, não se reconhece pescadora”. A insegurança alimentar afeta desproporcionalmente mulheres e meninas em todo o mundo, segundo a FAO. Fortalecer, capacitar e empoderar as mulheres para atuarem na cadeia produtiva da pesca é, portanto, fundamental para alcançar a segurança alimentar.

Se por um lado a indústria, gestores públicos e as comunidades tradicionais desempenham um papel fundamental na promoção da pesca sustentável e economicamente rentável, por outro, nós consumidores não podemos deixar de assumir nossa responsabilidade. A segurança alimentar e a sustentabilidade dos oceanos são responsabilidades compartilhadas. Como consumidores, podemos fazer a diferença ao optar por produtos que garantam práticas de pesca responsáveis. Uma dica para saber como fazer boas escolhas é consultar o Guia de Consumo Responsável de Pescado do país, organizado pela Cintia Miyaji e colaboradores. Além disso, é fundamental pressionar nossos representantes políticos para que implementem políticas públicas que promovam a pesca sustentável, valorizem o trabalho das comunidades tradicionais e garantam a segurança alimentar para todos. Juntos, podemos construir um futuro onde o mar seja uma fonte de alimento e renda, preservando a biodiversidade marinha para as gerações futuras.


Referências | Para saber mais

Sobre a entrevistada:

Cintia Miyaji Bióloga, mestre e doutora em Oceanografia pelo Instituto Oceanográfico da USP. Estudou as comunidades bentônicas, com ênfase em moluscos gastrópodes. Ainda é apaixonada pela sistemática desses animais e publica aqui e ali com o apoio dos colegas taxonomistas. Depois de uma longa experiência acadêmica na formação de recursos humanos em Ciências do Mar, dedica-se atualmente ao fortalecimento da cultura do consumo responsável de pescado no Brasil, através da atuação como consultora na empresa que fundou em 2018, a Paiche. Idealizadora da Aliança Brasileira pela Pesca Sustentável, integra também a Conservation Alliance for Seafood Solutions. Esposa de um também biólogo e pesquisador, mãe de dois seres-humaninhos incríveis e de uma cachorrinha adorável. Mora perto do mar, mas adora se meter no meio do mato.


Sobre a autora

Débora Camacho Luz é Bióloga, formada pela Universidade Federal de Rio Grande (FURG), membro da Liga das Mulheres Pelo Oceano e bolsista CNPq DTI na Rede Ressoa Oceano. A Ressoa Oceano é uma rede formada pela Liga das Mulheres Pelo Oceano, o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da UNICAMP (LabJor), a Cátedra da Unesco pela Sustentabilidade do Oceano e a Ilha do Conhecimento. Essa rede tem como objetivo promover a ciência e a cultura oceânica para além do litoral e centros de pesquisa, conectando cientistas e jornalistas para a abordagem do tema nos meios de comunicação e investindo em projetos e iniciativas de comunicação sobre o oceano.




Esse texto foi produzido em parceria com o projeto Ressoa Oceano.

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