Por Elisa Homem de Mello
É pelo oceano que transita a maior parte do comércio internacional do nosso país. Verdade! Segundo o site da Marinha do Brasil, o mar rende ao país o equivalente a 19% do nosso PIB, ou seja, dois trilhões de reais por ano, sendo que 30% do total comercializado passa pelo Porto de Santos. Mas todo esse movimento tem um preço caro para a vida do oceano, como por exemplo, poluição sonora, poluição por plástico, contaminação por combustível fóssil e, principalmente, por fármacos e drogas ilícitas.
Nosso continente, infelizmente, é o terceiro maior consumidor de cocaína do mundo, com quase dois milhões e meio de usuários! Entre estes, cerca de 1 milhão estão no Brasil. Os problemas do Atlântico Sul são, portanto, problemas do Brasil. Mas se o oceano é um só, este não seria um problema de todos?
Um dos estudos mais importantes sobre poluentes farmacológicos e entorpecentes vem sendo realizado, desde 2014, E, pelo fato do Porto de Santos ser o mais movimentado por aqui, o litoral paulista foi escolhido para monitorar a água para estudos toxicológicos, em cinco pontos próximos ao Emissário Submarino de Santos, construído no final dos anos 70 para levar para o alto mar todo material (mal) tratado pela estação de esgoto da região.
Segundo nossa colega da Liga, a bióloga marinha, Cintia Miyaji, notícias de apreensão e contaminação marinha por cocaína se repetem há anos, e ocorrem tanto por emissários, quanto por descarte de embarcações clandestinas. "Para os banhistas, as consequências são graves. Mas quem sofre mais são a fauna e a flora marinha", explica Cintia. Em 2017, o estudo identificou índices ambientalmente consideráveis de cocaína e outros fármacos nas águas da Baía de Santos. "O tráfico de cocaína por contêineres não é algo novo, mas o volume, a magnitude, isso sim é novidade... houve uma explosão da utilização desse meio marítimo para transportar cocaína, há menos de dez anos”, comentou Laurent Laniel, especialista em monitoramento do narcotráfico, no Porto de Santos.
O professor Camilo Seabra, do Instituto do Mar (IMar/Unifesp), explica em seu estudo que, tanto a cocaína com seu metabólito benzoilecgonina, como a cafeína (presente em medicamentos) estão presentes durante todo o ano, seja na água ou em organismos marinhos, mas em especial durante as festas de Fim de Ano e o Carnaval. As amostras coletadas, a cerca de 4,5 km da praia e a 10m de profundidade, evidenciam que essas substâncias não são eliminadas no tratamento do esgoto doméstico. Faltam políticas públicas, planejadas com base em tratamentos de saneamento básico mais avançados, especialmente em municípios costeiros que fazem uso de emissários submarinos. Além disso, remédios (vencidos ou não, mas que não serão mais usados), blisters e caixas de remédios com bulas devem ser corretamente descartados nos pontos de coleta das farmácias mais próximas. Hoje em dia, já existem várias! Então, não tem desculpa. É apenas uma mudança de hábito. Afinal, a redução de remédios em ambientes aquáticos também depende da conscientização da população e do conhecimento sobre os pontos de coleta específicos. Uma coisa é certa, em ambos os casos podemos afirmar que se trata também de uma questão de saúde pública, com riscos, tanto para a vida humana quanto para a biota marinha.
É triste, mas é real: já é alto o número de animais marinhos que apresentam quantidade expressiva destas substâncias: mexilhões-marrom, ostras de mangue, enguias e até tubarões. Agora, NÃO É VERDADE dizer que os tubarões estão apresentando características de adição à cocaína. É claro que com a contaminação do mar por conta destes poluentes, os animais marinhos de topo de cadeia estão acumulando, cada vez em maior quantidade, estas substâncias. Por si só, isso pode ser considerado um desastre ambiental. Mas quem sofre as consequências, como sempre, somos nós, seres humanos, ao ingerirmos animais e frutos do mar contaminados por nós mesmos. Toma!
A maior verdade é que em todos os seres vivos, a cocaína foi percebida como um risco e agente desregulador dos sistemas endócrino, neuroendócrino, reprodutivo e celular, causando graves efeitos toxicológicos. Quanto maior o número de estudos relacionados, melhor será nosso entendimento e melhor serão nossas chances de encontrar soluções que possam ser a voz do oceano e combater este mal.
Sobre a autora:
Elisa Homem de Mello, 52, é formada em Comunicação Social/UNESP Bauru, pós-graduada em Detrito Marinho/OU NL e Economia Circular/TU Delft, há mais de duas décadas escreve sobre sustentabilidade na EBVB, já foi coordenadora, e agora colabora como produtora de conteúdo da Newsletter da Liga das Mulheres pelo Oceano.
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