Por Monique Torres
“Eu me preparei a vida inteira para ser professora, para ser pesquisadora… Agora, inspiração? Isso vem do coração e, sinceramente, a gente não espera." Essas palavras são de Zelinda Nery Leão, vencedora da categoria Cientista Inspiração do Prêmio Marta Vannucci para Mulheres na Ciência do Oceano edição 2024. Zelinda, renomada geocientista e referência nos estudos sobre ecossistemas recifais, tem uma carreira acadêmica de tirar o fôlego, sendo professora universitária desde os anos 1980, primeira mulher mergulhadora científica do Brasil e suas pesquisas guiaram a criação de Unidades de Conservação para a proteção de recifes de corais.
De repente, eu, uma cientista em início de carreira, assistindo da plateia, me perguntei: como uma mulher como Zelinda, com uma trajetória tão gigantesca, poderia se surpreender ao ser chamada de inspiração? Foi então que percebi como muitas de nós, mulheres na ciência, às vezes hesitamos em reconhecer nosso próprio valor. Já me vi nessa posição, assim como amigas e colegas brilhantes que também duvidaram de seu merecimento. Esse pensamento só reforça a importância de iniciativas de reconhecimento, como o Prêmio Marta Vannucci para Mulheres na Ciência do Oceano, que, em sua terceira edição, celebra o talento e a dedicação de cientistas que transformam o estudo e a proteção do oceano, e o papel da mulher na academia.
Idealizado pela Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano, e Liga das Mulheres pelo Oceano, o prêmio não apenas homenageia Marta Vannucci – pioneira da ciência do mar no Brasil – mas também amplia as honras a tantas outras mulheres cujas contribuições são essenciais para o futuro dos nossos mares e oceano. A edição de 2024, contou com a Universidade Federal de São Paulo na organização e o apoio de instituições parceiras que confiam e colaboram nessa construção coletiva para fortalecer a presença das mulheres nas ciências do mar.
Além do desafio de aceitar um elogio sem nos surpreendermos ou duvidarmos dele, há também a dificuldade de nos colocarmos como candidatas a esse tipo de reconhecimento. Diferentemente da categoria Cientista Inspiração, na qual a indicação é feita por terceiros, a categoria Jovem Cientista exige que as mulheres se inscrevam. A vencedora deste ano, Marina Nasri Sissini, quase não participou: “Acreditar que fiz algo para estar ali é um pouco estranho. Eu não ia me inscrever, só fiz isso na última hora porque amigas insistiram.” Aqui, fica clara a importância de estarmos cercadas por outras mulheres. É emocionante ver como, apesar da pressão para a rivalidade, nada é mais empoderador do que um ambiente composto por mulheres.
Nossas duas premiadas para o Prêmio Marta Vannucci 2024, Zelinda e Marina. Foto: Vanessa Dantas.
Aproveitando o tema da união entre mulheres, antes da premiação ocorreu o lançamento do livro "Uma Onda de Mulheres Pelo Mar", organizado por Leandra Regina Gonçalves e Patrícia Furtado de Mendonça, integrante de uma série de 10 livros para a Década do Oceano, fruto de uma parceria da Cátedra Oceano e Andrea Jakobsson editora. O livro, inteiramente produzido por mulheres, traz textos e entrevistas com várias brasileiras que trabalham com o mar, além de ilustrações feitas por artistas mulheres. Fica aqui a dica para você garantir seu exemplar!
Ainda enfrentamos muitos obstáculos, o nosso trabalho é constantemente posto em cheque por uma sociedade historicamente machista. “Eu sempre tava sozinha [nas ilhas oceânicas], um monte de homem no entorno, um monte de homem que queria carregar minhas coisas porque eu não era capaz”, disse Marina. “Ele disse que foi o avaliador que deu parecer negativo para o meu projeto e disse: eu neguei o seu projeto porque como três mulheres farão uma pesquisa com mergulho? Cadê o homem?”, disse Zelinda.
O caminho é ainda mais árduo para mães na ciência: estudos mostram que mulheres cientistas com filhos enfrentam maiores dificuldades em avançar na carreira acadêmica. Segundo uma pesquisa do Projeto Parents in Science, as mães publicam significativamente menos artigos do que seus colegas homens ou mulheres sem filhos, refletindo o impacto da sobrecarga de responsabilidades. Tanto Zelinda quanto Marina são mães, e suas histórias reforçam a força e resiliência que tantas cientistas precisam ter para seguir adiante, mesmo quando lidam com a falta de infraestrutura nessa jornada dupla. A maternidade, assim como a ciência, exige sacrifícios diários – e ambos os papéis são exercidos com uma dedicação imensa, embora muitas vezes subvalorizada.
Motivos para seguirmos lutando não faltam, mas por hoje, podemos comemorar. Assistir a premiação foi realmente inspirador e emocionante para mim, lembrando como é importante reconhecermos e celebrarmos nossas conquistas. Ver a trajetória de Zelinda e Marina me motivou ainda mais a continuar na ciência e a apoiar outras mulheres nesse caminho. Recomendo fortemente que mais mulheres assistam à transmissão da premiação, disponível no YouTube da Cátedra. É uma ótima oportunidade para sentir o impacto que podemos ter juntas.
Ah, quando tudo parecer difícil, segue o conselho da Marina: corre pro mar! (estou indo fazer isso agora)
Sobre a Autora:
Monique Torres de Queiroz
Oceanógrafa, mestre em Oceanografia pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo. Comunicadora da Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano, colaboradora do Prêmio Marta Vannucci edição 2024 e bolsista da Rede Ressoa Oceano.
Esse texto foi produzido em parceria com a Ressoa Oceano e Cátedra UNESCO para a Sustentabilidade do Oceano
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